A voz de Baldwin

EU NÃO SOU SEU NEGRO é um tipo peculiar de documentário que se ampara não na biografia, mas em escritos e discursos do seu personagem. James Baldwin deixou um livro inacabado (na verdade, apenas iniciado) sobre a luta pelos direitos dos negros americanos a partir da história de três líderes assassinados nos anos 1960: Martin Luther King, Malcolm X e Medgar Evers. Mas Baldwin era Baldwin, e sua prosa inflamada nunca se atinha a uma única face de um tema. O filme do cineasta e ativista haitiano Raoul Peck, que concorre ao Oscar de melhor documentário, explora essa veia abrangente e incorpora, além do texto do livro narrado por Samuel L. Jackson, uma pletora de entrevistas, pronunciamentos e discursos do escritor.

Não é um filme-ensaio, pois não questiona seu objeto, mas tem a estrutura do ensaio que se abre para diversas perspectivas do assunto. Baldwin faz a crítica da imagem do negro na cultura do país e de sua suposta evolução como concessão dos brancos, aponta o fracasso do sonho americano e a imoralidade histórica do Ocidente no que diz respeito à questão racial. Não deixa de ser um filme-sermão, com toques de agit-prop e uma ilustração visual às vezes bastante pobre. Quando Baldwin fala que Birmingham não está em Marte, por exemplo, Raoul Peck insere mais de um minuto de imagens de… Marte! A voz grave e sedosa de Samuel L. Jackson contrasta com o tom geralmente mordaz e sinuoso de Baldwin, chamando mais ao amortecimento do que à insurreição.

Enfim, não creio que esteja no nível de um doc oscarizável, mas ajuda a reacender o debate sobre a “America White Again” que emerge com o governo Trump. As muitas cenas infames de filmes, propagandas e atualidades do passado e de tempos mais recentes demonstram a perpetuação do racismo apesar de Obama, tornando as palavras de Baldwin ainda atuais. Não é à toa que a direita americana reagiu com ferocidade ao filme nas redes sociais e em sites de opinião.

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