Publico de novo a microrresenha que fiz no É Tudo Verdade 2010, onde o filme de Rodrigo Siqueira venceu a competição nacional.
A morte lúdica
No Quartel do Indaiá, quilombo do interior de Minas, o diabo anda à espreita e rouba os cadáveres de quem fez com ele um “contrato”. O velho Pedro, de 82 anos, comanda o velório de um homem muito mais idoso do que ele. Entoa vissungos (cantos fúnebres africanos) e dá pinga para o morto seguir viagem em paz. Enquanto não chega a hora do enterro, o simpaticíssimo Pedro conta histórias de pelejas com o “Sujo”, de garimpos, de tesouros escondidos, de um crime familiar. A conversa gostosa, que lembra Guimarães Rosa, por vezes dá lugar a uma encenação em que as pessoas brincam com os mitos e com a câmera. A morte, então, vira coisa lúdica, assunto a ser tratado com máscara e troncos de bananeira. O diretor Rodrigo Siqueira encontrou uma forma simples e eficaz de revelar toda uma mitologia e reproduzir sua ambiguidade fundamental. A mistura de realidade e ficção não é uma questão de discernimento, mas uma maneira legítima de confrontar o mistério, como fica cristalino no riso constante e contagiante do velho Pedro.
Pingback: Carlos Alberto Mattos e a Mostra do Filme Etnográfico | Aurora de Cinema Blog
Pingback: Buffet etnográfico « …rastros de carmattos
Pingback: Meus filmes do ano « …rastros de carmattos