Criando imagens na velocidade da luz

Texto de Davi Pretto e Jéssica Preuss, curadores da Mostra 20 Anos de Takashi Miike, em cartaz no CCBB-Rio:

Criando imagens na velocidade da luz

City of Lost Souls

Takashi Miike não nasceu em berço de ouro. Não era frequentador de cinemas ou teatro. Vivia em um ambiente humilde, onde as apostas e jogatinas de seu pai alcoólatra eram seu exemplo familiar. Quis ser piloto em corridas de moto. A velocidade das pistas hipnotizava-o. Mas distanciou-se delas ao ver muitos de seus amigos morrerem, correndo. Passou por muitos lugares, até cair dentro do cinema, despretensiosamente. Mas nunca abandonou a busca pela adrenalina. Nunca.

Takashi dirige velozmente desde 1991. São outras pistas, mas nestas é que ele abraça a insegurança do perigo de correr, o que o mantém vivo. Desde então, nunca parou de acelerar, em uma corrida de 20 anos, que não tem linha de chegada por perto – se é que ela existe. Miike apenas busca mais horizontes para fitar. No lugar das curvas das pistas, apoia-se na montagem e na construção do ritmo de seus filmes para respirar a emoção do vento batendo em seu rosto. Vento este que ajuda a arejar suas obras, mirando sempre em direção ao imprevisível. Miike não tem medo de cair. Miike não tem medo da velocidade. Em pistas tortuosas e escorregadias, ele acelera. Acelera tanto quanto pode. Quando todos menos esperam, ele freia com toda a força. De uma vez só. Propositalmente. Todos que vão de carona com ele voam, chocando-se com a tela. Menos Miike.

Miike sabe aonde quer ir. Ele não espera que os outros saibam ou entendam, pois para onde ele realmente quer seguir é em direção ao desconhecido. Um lugar propício para mudanças drásticas de percurso, que nem ele mesmo quer compreender o que é ou pode vir a ser.

Miike sabe que nessa velocidade, nem sempre ele vai parar de pé. Mas ele prefere cair, errar e rasgar sua pele no asfalto do que pilotar em segurança, devagar.

Se cinema é a criação conjunta de imagens e sons, Takashi Miike sabe muito do assunto. Ele já criou uma quantidade incomensurável delas. Uma carreira de duas décadas que, quantitativamente, já ultrapassa os números de mestres de cinco décadas de trabalho, como Hitchcock. Talvez Miike seja um dos poucos que poderão chegar perto, em número, da extensa obra deixada por gigantes como John Ford. É claro que quantidade não é garantia de qualidade. Mas apenas a paixão pode aproximar um homem de uma profissão de maneira tão intensa. E a profissão de Miike é criar paisagens, feitas de imagens e sons. Ele respira isso, há 20 anos. Nesse imenso percurso, Miike pôde explorar todas as suas visões e pensamentos mais profundos. Em certa ocasião, declarou que, para ele, “cinema é algo íntimo”. Nessa estrada solitária, com o velocímetro forçando os limites, Miike pode se encontrar, na sua maior e mais verdadeira intimidade, cara a cara com seus traços mais humanos, suas memórias e inseguranças. Ele acelera sem olhar para trás, jamais. Não só céus azuis e dias ensolarados foram e serão criados. Tempestades, dias cinzentos, neve e tornados passarão. Miike segue em um ritmo cataclísmico rumo ao horizonte. Paisagens se criam, passam e outras surgem no seu lugar. Na velocidade da luz. E, à frente, um horizonte. Um horizonte feito de imprevisibilidade, adrenalina e paixão.
Davi Pretto e Jéssica Preuss

>>> Saiba mais e confira a programação no site da mostra

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s