De poetas e escritores

Sobre PATERSON e STEFAN ZWEIG: ADEUS À EUROPA

PATERSON é o nome do personagem e da cidade onde ele vive. Esta é apenas a primeira rima com que Jim Jarmusch tece seu delicado poema ao prosaico, bem na linha do poeta William Carlos Williams (1883-1963), autor de uma coletânea de poemas igualmente chamada “Paterson”. WCW, que também era médico, personifica uma das matrizes da moderna poesia americana. Compunha versos livres para falar do cotidiano e da vida de pessoas comuns. Jarmusch bebe dessa inspiração para desenhar o perfil de um motorista de ônibus que gosta de observar as pessoas ao redor e, nas horas vagas, poetiza sua vida – da paixão por uma certa caixa de fósforos à dádiva do entendimento com sua mulher amada.

Adam Driver e Golshifteh Farahani fazem esse casal improvável, capaz de existir só mesmo na redoma do cinema de poesia. O entorno deles é pontuado por uma série de rimas, como a profusão de gêmeos na cidade, os espelhamentos entre personagens com características semelhantes, as frases e motivos visuais repetidos. Essas ressonâncias, algumas bastante sutis, fornecem um prazer semelhante ao proporcionado não tanto por outros filmes de Jarmusch, mas pelos do coreano Hong Sang-soo. O prazer do banal apresentado em dicção poética, com humor tênue e levemente alçado do chão do real.

A ênfase na rotina comezinha e na impassibilidade do motorista, em contraste com a profusão criativa da mulher, às vezes me pareceu um tanto estéril e até mesmo ingênua para um diretor veterano. Quando algo de extraordinário acontece, não produz efeitos perceptíveis sobre o momento seguinte. Ainda assim, ou justamente por essa aparente despretensão, o filme acabou me cativando. Com extrema singeleza, Jarmusch articula uma ideia de poesia literária com seu rebatimento na poesia cinematográfica.



Maria Schrader evitou a armadilha das cinebiografias quando escolheu contar o exílio e morte de Stefan Zweig através de seis momentos escolhidos a dedo em STEFAN ZWEIG: ADEUS À EUROPA. Uma recepção no Jóquei Clube do Rio, uma visita a Cachoeira (BA), o comparecimento a uma reunião do PEN Clube em Buenos Aires, uma visita à primeira mulher em Nova York e dois episódios em Petrópolis, sendo o último post mortem. Assim ela fixou o que julgava essencial no fim de carreira do escritor: a evasão de tudo o que não fosse literatura – da Europa devassada pela intolerância, do posicionamento político explícito, das formalidades sociais.

Como resultado, temos flashes de um homem um tanto obscuro, cujas relações e motivações o filme não se preocupa em esclarecer. A uns pode parecer estéril e pouco palpável, mas em contrapartida há um meticuloso senso de realismo que torna cada cena fortemente imersiva. Embora os brasileiros falem com sotaque português, os carros do Brasil tenham mão inglesa (as cenas “brasileiras” foram rodadas em São Tomé e Príncipe) e acarajé seja confundido com queijadinha, a qualidade mimética da encenação por vezes nos faz esquecer que estamos vendo um filme dramatizado. Tanto nos eventos públicos quanto nos domésticos, a impressão de espontaneidade e veracidade é fenomenal. Se vivo fosse, Zweig talvez corresse o risco de confundir-se a si mesmo com o ator Josef Hader.

Nessa notável composição de cenas ora rígidas, ora extremamente fluidas, não há como não destacar a extraordinária sequência final. Um plano fixo, ampliado por um espelho, enfatiza a solene dramaticidade do duplo suicídio e ilustra o profundo vínculo que Zweig estabeleceu com o Brasil.

Fala-se muito que o filme é inspirado no livro “Morte no Paraíso – A Tragédia de Stefan Zweig”, de Alberto Dines, mas esta foi apenas uma das muitas fontes de pesquisa utilizadas. Dines não é sequer mencionado nos créditos.

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