Sobre os filmes UM DIA e O FUTURO ADIANTE
O filme húngaro UM DIA não faz mistério sobre o que quer tratar: um dia (e meio) na vida de uma mulher, mãe de três filhos pequenos e esposa de um marido que a está traindo com uma amiga sua. Não há tempo para mais nada, já que Anna (Zsófia Szamosi) consome cada minuto nos cuidados com as crianças e na angústia conjugal.
A diretora Zsófia Szilágyii não pretendia mais que dissecar a rotina estressante dessa dona de casa e professora de italiano. O filho maior tem sintomas de autismo, a menina é hiperativa e o menor tem piolhos e está febril. O banco está cobrando prestações atrasadas do apartamento. No emprego, ela precisa equacionar seus horários. O marido é uma zona de sombra e mais nada. Enfim, um inferno doméstico condensado em algumas poucas horas.
UM DIA dispensa curvas dramáticas e se contenta com esse pequeno voyeurismo detrás das grades de uma família comum. Nossa experiência é simplesmente testemunhar as tarefas exaustivas e repetitivas de Anna, além de compartilhar sua infelicidade através da expressão única que a atriz mantém ao longo de todo o filme. Quem alivia o peso desse fardo são as crianças, um primor de espontaneidade e veracidade. As duas Zsófias de fato conseguiram montar uma família diante de uma câmera que segue Anna como um cão fiel.
Existe o cinema argentino integral, onde moram Trapero, Campanella, Alonso, Lucrecia, etc. E existe o cinema argentino light, representado por filmes como O FUTURO ADIANTE. Nessa comédia dramática de Constanza Novick (roteirista de séries de TV dirigindo seu primeiro longa), a relação entre duas amigas de infância é retomada nos anos de maturidade, entre ajudas mútuas e desentendimentos passageiros.
Romina (Dolores Fonzi) não consegue ser feliz. Florencia (Pilar Gamboa) acha felicidade em qualquer encontro. O filme as segue em seus casamentos, separações e trocas de perfil. Até que o ciclo se reproduza com as respectivas filhas.
Afora a boa química entre as duas atrizes e os diálogos fluentes de praxe no cinema argentino, tudo o mais se dissolve em conflitos superficiais e situações de rotina numa classe média padronizada. Deduz-se que a intenção foi fazer um estudo da amizade feminina, com suas supostas competições, desconfianças e cumplicidades. Mas o resultado ficou com jeito de sessão da tarde na TV. Por sinal, em tudo o oposto dos filmes herméticos do integral Lisandro Alonso, marido da diretora e que assina como produtor executivo.