FIM DE TURNO, o site-livro

Este texto é parte da introdução do site-livro

Quiseram os caprichos da história que o nascimento do cinema como indústria tenha se dado na porta de uma indústria, e que seus primeiros protagonistas fossem operários. Há 130 marços atrás, a primeira câmera do cinematógrafo registrava La Sortie de l’Usine Lumière à Lyon, que ficaria consagrado como o primeiro filme do então chamado cinematógrafo.  Desde então, o binômio cinema-indústria passou a concorrer com o binômio cinema-arte. Ao mesmo tempo, a cena de trabalhadores saindo de seus locais de trabalho virou um motivo frequente no cinema, aí incluídos documentários, reportagens, filmes industriais, de propaganda, de militância política e de ficção.

Sobre essa tradição, quando completava 100 anos, se debruçou o alemão Harun Farocki em seu filme Arbeiter verlassen die Fabrik (Trabalhadores Saem da Fábrica, 1995). Transcorridos mais 30 anos, e inspirado pelo trabalho de Farocki, eu me propus ampliar e atualizar o escopo da pesquisa, assim como investigar as muitas apropriações, reinvenções e experimentações desse motivo recorrente em 130 anos de produção audiovisual. O enriquecimento de sentidos (sociais, políticos, estéticos) que esse tipo de cena adquiriu com o passar do tempo é a principal razão desse trabalho.

A saída da fábrica é a fronteira física entre trabalho e lazer, entre a rígida função social do trabalhador e sua vida privada. Enquanto a estrutura do trabalho atomiza e sincroniza os empregados, o portão de saída os reagrupa e ao mesmo tempo os libera, formando a imagem concreta de uma força de trabalho. Ao passar por ali, todos têm alguma coisa em comum. É local de encontro ou de dispersão, mas também de organização, protestos, piquetes, etc.

Marilyn Monroe, operária em “Só a Mulher Peca”

No site-livro Fim de Turno: Saídas de Fábrica no cinema de Lumière a Loach, vamos encontrar diversas acepções adquiridas pela saída de fábrica no cinema. Não só da fábrica, mas de minas, estaleiros e edifícios corporativos, seja de onde for que existam trabalhadores reunidos. Navegaremos desde o filme inaugural dos Lumière à fetichização da cena realizada anualmente no portão do Instituto Lumière, o mesmo local da filmagem de 1895. Veremos como esse texto cinemático fundador foi reencenado seja para expor condições de trabalho, seja no contexto de uma dramaturgia da fábrica, ou ainda no campo do cinema industrial. As variações mais políticas estão abordadas em relação ao cinema militante e às dramatizações de lutas trabalhistas ao longo dos últimos 130 anos.

O cinema experimental tampouco poderia estar de fora desse estudo, uma vez que a saída de fábrica foi submetida ao discurso da pós-modernidade. Não só o modelo de filmagem foi reapropriado e questionado, como também o próprio material fílmico dos Lumière foi submetido às intervenções de experimentalistas.

Saída de fábrica em Bangalore, Índia

Muito do que se vê no conjunto de imagens reunido no site-livro é hoje apenas história. O trabalho, em especial o da indústria e de grandes estruturas, não é mais o que era antes da automação, da robotização e da globalização. Fábricas são desativadas, sistemas de produção se atomizam, novas configurações do trabalho digitalizado isolam os trabalhadores em células pequenas ou mesmo individuais. A precarização das relações trabalhistas atingiu também as indústrias em virtude da fragmentação e terceirização dos processos de produção.

A rarefação da imagem operária, contudo, não retira a importância da saída de fábrica como evento recorrente na história do cinema. Fim de Turno fica longe de esgotar a diversidade e a frequência com que esse tropo já se fez presente nos tipos mais variados de produção audiovisual. Harun Farocki especulou que o cinema permaneceu repetindo esse mote como uma criança que repete sua primeira frase ao longo de toda a vida.

Visitem o site-livro com textos, fotos e muitos trechos de filmes produzidos ao longo de 130 anos. Neste link.

Abaixo, o teaser:

E aqui minha entrevista de apresentação à Regina Zappa:

5 comentários sobre “FIM DE TURNO, o site-livro

  1. rs, rs, rs… ainda bem que você sempre me disse ser “preguiçoso” quand fazia uma proposta para Toulouse !!! Parabens querido, Beijos Sylvie

  2. Trabalho sensacional, Carlinhos!
    Encantada e com vontade de ver todos esses filmes!

    obrigada por mais esse!

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