Pílulas da preguiça 1

Sou um crítico cada vez mais preguiçoso para acompanhar o mercado com a clássica resenha de filmes. Aqui no blog, meu prazer maior está agora em juntar dois ou mais filmes e ver o que é que dá; ou entrar num determinado filme por uma vereda vicinal e ver onde aquilo me leva. No mais das vezes, começo um texto sem ter a menor ideia de como vou acabar. Isso é bom. É irresponsável e aventureiro, mas é bom. 

O lugar onde tenho manifestado sucintamente minha opinião sobre novos filmes é no Facebook. Comentários rápidos, despretensiosos, como uma resposta imediata ao que acabei de ver. Para deixar o registro aqui no blog, e para eventuais visitantes que não estão no ”face”, transcrevo abaixo essas pílulas sobre alguns filmes recentes:

A TV Brasil exibiu (melhor seria dizer esquartejou) uma versão reduzida de A CIDADE É UMA SÓ?. Não dá pra saber direito como será o filme de 73 minutos. Mas a impressão que tive não foi das melhores. A história das remoções da Ceilândia já foi contada melhor em diversos filmes (sobretudo CONTERRÂNEOS VELHOS DE GUERRA). Os dois personagens ficcionais me pareceram fundados num misto de demagogia, ingenuidade e condescendência. Achei tudo bastante desestruturado, repetitivo e politicamente pálido – o pior para um filme que se pretende crítico. Gosto da postura batalhadora e pouco pretensiosa do Adirley Queirós, mas tenho para mim que esse seu filme está sendo superestimado. De qualquer forma, vou esperar a versão completa.

Com Robert Guédiguian, a classe operária sempre vai para o paraíso. Em AS NEVES DO KILIMANJARO, a esquerda é quase beatificada. Um sindicalista “se demite”, é assaltado dentro de casa e se divide entre o sentimento de revanche e a solidariedade, ou melhor, a compaixão. No fundo, é um falso dilema, apresentado de maneira a não restar dúvida sobre os bons sentimentos dos protagonistas. Gúediguian mostra como poucos a vida de pessoas simples, sem glamour, mas dotadas de uma autenticidade quase palpável. É um excelente narrador, embora o roteiro aqui cometa algumas facilidades de folhetim. Não tem como não gostar daquela gente que trata tão bem as crianças e os velhinhos, que tem sonhos humildes e carinho até pelo desconhecido da esquina. Com isso, os conflitos se dissolvem no calor dos sentimentos e nos acordes reconfortantes da “Pavana para uma Criança Morta” de Ravel. Nesse filme, a obra de Guédiguian chega à fronteira da vida de santo. Mas… vá lá… é bonito.

A DANÇARINA E O LADRÃO é aquele esquema do Skármeta: personagens de mundos muito distintos que se encontram e se identificam, um pouco de “poesia”, um destino trágico. No filme, um ladrãozinho com alma de anjo (Ángel, claro) se apaixona por uma bailarina muda e pobre mas predestinada a vencer (Victoria, óbvio), coadjuvados por um Ricardo Darín no papel de… Ricardo Darín (aquele cara maduro, antiquado, de ética meio duvidosa mas de espírito muito nobre). O que Fernando Trueba tira daí é um coquetel de facilidades dramáticas que me enjoou bastante. Ecos da ditadura chilena diluídos em melodrama barato, estereótipos para representar a cultura oficial, um herói a cavalo em plena Santiago, una pastelada!

Gostei bastante de XINGU, mais do que esperava. Acho bacana ter um filme que “venda” para as massas, com dignidade, a história dos Villas Boas. Alcança grotões que os melhores documentários não alcançam. É um filme na tradição do cinema de aventura, muito competente tecnicamente, com uma fotografia extraordinária e uma trilha sonora apaixonante. Investe no mítico e se dá bem: os heróis, a naturezaexuberante, uma luz que transcende o naturalismo. No roteiro, o esforço de síntese é admirável, embora falhe na conclusão da história do irmão Leonardo e minimize o papel de Darcy Ribeiro numa única (e meio grotesca) cena. Os indigenistas podem dizer melhor se o filme tem razão em mostrar os Villas Boas como virtuais anunciadores da política hoje vigente de manter os índios isolados à margem do contato.

É claro que ri muito com HABEMUS PAPAM, deliciei-me com a caracterização de Piccoli e apreciei alguns desdobramentos da ótima situação inicial. Mas acho que a perambulação do Papa pela cidade não é tão bem aproveitada quanto a espera dos cardeais no Vaticano. E o desfecho “teatral” também me pareceu um anticlímax. Moretti QUASE fez uma grande comédia italiana.

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