Frankenstein na era dos simulacros

FRANKENSTEIN

Em tempos de robôs assumindo o lugar dos homens e a inteligência artificial ocupando espaços antes privilégio da inteligência natural, voltar a Frankenstein ganha ares de maior atualidade. Afinal, a trama criada por Mary Shelley no início do século XIX trata da criação de um simulacro de vida humana. Em sua versão visualmente exuberante, Guillermo del Toro se reaproxima do original de Shelley, narrando as histórias do criador e da criatura.

O novo Frankenstein é gótico, garrúleo e grandioso. A direção de arte e a fotografia são deslumbrantes. A nomeação de um “Prelúdio” no início – Victor (Oscar Isaac) é encontrado pela tripulação do navio polar encalhado – indica o desejo de uma construção musical em dois movimentos: um moderato na história do criador e um vivace na parte dedicada à criatura. A música sinuosa e quase onipresente de Alexandre Desplat confere ao filme um andamento chegado ao operístico.

A morte da mãe desperta em Victor a tentação de superar a finitude através do engendramento de uma criatura imortal. O trabalho com cadáveres, verdadeiro açougue humano, oferece um banquete aos amantes do horror corporal, tão em voga atualmente. Mas eis que, pronto o monstro na pele de Jacob Elordi, não há como disfarçar uma caracterização meio ridícula, como a de um roqueiro desengonçado.

Minha dificuldade com o casting de Elordi me perturbou um bocado, mas devo admitir que del Toro restituiu um tanto da estatura filosófica do original, que se perdeu bastante em sucessivas versões e diluições no cinema. Lá está a tragicidade de uma ambição desmedida, que acaba gerando duas perversões: um monstro físico e um monstro moral. Enquanto Victor perde sua humanidade na avidez de gerar o impossível, sua criatura aspira a ser humana da forma mais convencional possível, ou seja encontrando uma companheira e formando uma família.

A caçada recíproca de criador e criatura no último ato sintetiza o beco sem saída que é a negação da morte. De qualquer maneira, é interessante pensar na parábola de Frankenstein à luz da ciência e da tecnologia contemporâneas, que caminham no rumo de simulacros cada vez mais avançados. A IA nada mais é que um cérebro criado a partir de outros cérebros. A vida humana, porém, continua limitada pela nossa pobre condição.

>> Frankenstein está nos cinemas.

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