O PEQUENO CORPO
A força da fé, o instinto materno e as liberdades da fábula se combinam em O Pequeno Corpo (Piccolo Corpo), longa de estreia da italiana Laura Samani, vencedor do Prêmio David de Donatello na categoria de diretor estreante e exibido na semana da Crítica de Cannes em 2021. O fato de se passar no ano de 1900, em áreas remotas da Itália habitadas por gente rústica, mística e de poucas palavras, justifica o seu mood taciturno, o ritmo lento e um toque de morbidez.
A jovem Agata (Celeste Cescutti) perde sua bebê logo depois do parto, sem tempo para batizá-la e dar-lhe um nome. Para salvar a criança da eternidade no limbo, ela segue o conselho de peregrinar da sua ilha até um santuário do outro lado das montanhas. Lá a filha poderia ser ressuscitada por um breve momento a fim de se cumprir o ritual necessário.
Com o pequeno corpo numa caixa de madeira, ela segue viagem e ganha a companhia um tanto ambígua de Lince (Ondina Quadri),uma jovem andarilha. O percurso é acidentado, não só pelo que acontece no caminho, mas também pelas incongruências e implausibilidades do roteiro. Enquanto Agata se mantém coerente na sua meta única, Lince é uma personagem mal construída, que oscila inexplicavelmente entre a cafajestice e a solidariedade. Difícil aceitar que uma caminhante como ela não conhecesse o mar, de onde vinha Agata e que logo a encontrava. Da mesma forma, é inconvincente que Agata conseguisse por tanto tempo ocultar o que trazia em sua misteriosa caixa.
Se relevarmos esse tipo de contrassenso e embarcarmos na canoa meditativa de O Pequeno Corpo, aí então teremos um curioso conto mágico sobre obsessão mística, milagre e autoengano. A lembrança de A Palavra, de Carl Dreyer, é inevitável.
>> O Pequeno Corpo está em cinemas de São Paulo e Brasília.

