Útil, necessário, indispensável

ROBERTO FARIAS – MEMÓRIAS DE UM CINEASTA

Talvez pelo “s” acrescentado por engano ao seu sobrenome numa família Faria, Roberto Farias (1932-2018) ficou sendo o mais coletivista, o mais enfronhado na comunidade cinematográfica entre todos os Faria. Diplomático até a medula, foi ele (junto ao irmão Riva) a locomotiva de uma das produtoras mais ativas (e lucrativas) no cinema brasileiro dos anos 1960 e 1970, além de comandar a Embrafilme no seu período mais bem sucedido.

Como realizador, foi um dos responsáveis pela transição para o Cinema Novo com Assalto ao Trem Pagador, fez sucesso estrondoso com a trilogia Roberto Carlos e foi o primeiro a fustigar diretamente a ditadura com Pra Frente Brasil. Uma carreira invejável para qualquer cinematografia nacional.

Essa trajetória foi compilada com cuidado e carinho por sua filha Marise Farias em Roberto Farias – Memórias de um Cineasta. Memórias que estão num livro inédito e que Marise, ao tomar conhecimento, descobriu um veio de intimidade do pai, que sempre fora reservado quanto a suas emoções. O texto, lido no filme por seu irmão Reginaldo Faria, tem sabor e qualidade literária dignos da expectativa que desperta quanto a sua publicação.

Marise, por sua vez, soube equilibrar sua enunciação pessoal com o resto do material, sem deixar que o documentário se tornasse um mero exercício de admiração filial. É o próprio Roberto quem se autodesenha em fragmentos de entrevistas, auxiliado por falas sucintas do irmão Riva Faria, da viúva Ruth Albuquerque e de Cacá Diegues, Zelito Viana, Luiz Carlos Barreto e Marluce Dias.

A abordagem é classicamente cronológica: a infância em Nova Friburgo, a cinefilia infantil, o amor pelas chanchadas, o chamado de Watson Macedo que resultou em Rico Ri à Toa (e mais No Mundo da Lua e Um Candango na Belacap, que não são citados), a participação de Cidade Ameaçada em Cannes, o fracasso de público de Selva Trágica, quando Roberto tentou sair da zona de conforto do drama urbano. No auge da ditadura, os filmes possíveis: Roberto Carlos, Fittipaldi, Toda Donzela tem um Pai que é uma Fera. Os 16 anos de televisão que se seguiram a 1992 ganham apenas menções genéricas sobre o conceito de audiovisual caro a Roberto: direto, objetivo, que não chateie o público e ajude o Brasil a conquistar seu mercado.

Roberto Farias – Memórias de um Cineasta está longe de chatear o público. Marise e seu parceiro na montagem Paulo Henrique Fontenelle criaram uma estrutura ágil, pontuada por vinhetas poéticas – como a belíssima projeção dos filmes-faróis de Roberto num lençol estendido na serra – e muitos flashes de making of dos filmes.

Esperei em vão por mais informações a respeito da paixão de Roberto pela astronomia. Mas isso talvez seja querer ver longe demais para o que o filme se propunha. O importante é que foi bem contada a história de um cineasta que soube se fazer, sucessivamente, útil, necessário e indispensável em certa fase do nosso cinema.

>> Roberto Farias – Memórias de um Cineasta está nos cinemas.   

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