Paisagens do Fim – o vídeo-ensaio

“Isso dá um filme”. A frase da minha amiga, a professora e cineasta Aída Marques, a respeito do meu site-livro Paisagens do Fim – Cenários reais pós-catástrofe no cinema de ficção ficou ressoando na minha cabeça durante semanas. Afinal, parti para transformá-lo no vídeo-ensaio que agora estou lançando na plataforma Vimeo.

O site-livro, publicado em 2021, faz a análise de um tema que me fascina desde que cedi à insistência de outro amigo, o saudoso Julio César de Miranda, para que eu visse o filme japonês A Estrela Sussurrante. Ali o diretor Sion Sono usava as paisagens pós-apocalípticas de Fukushima, devastada pelo tsunami e a radioatividade em 2011, para fazer as vezes de planetas diferentes num roteiro de ficção científica. Aquilo me despertou a curiosidade sobre até onde os realizadores poderiam ir no desejo de fabular sobre os cenários de catástrofes reais.

Eu me indagava: como as “ruínas do presente” são descortinadas pelas câmeras? Como os personagens se relacionam com esses espaços? Que relações simbólicas se estabelecem com os vestígios dos desastres? As “paisagens do fim” podem se referir a seus próprios momentos históricos ou serem agenciadas para outros significados puramente ficcionais.

No vídeo-ensaio, parto do fascínio exercido pelas paisagens de ruínas desde os pintores renascentistas, passando pelos chamados “fotógrafos de demolição” e chegando ao que hoje conhecemos como “ruin porn”, encontrável até mesmo como descanso de tela de computador. No cinema, desde um dos primeiros filmes dos irmãos Lumière, que mostra a derrubada de uma parede, as ruínas nunca deixaram de ser um tema poderoso.

Cenas de 46 filmes aparecem no vídeo, cobrindo guerras mundiais e regionais, catástrofes naturais e industriais, e ainda destruições voluntárias como a inundação de cidades para construção de barragens e a devastação de florestas. As abordagens são em sua maioria dramáticas, como no neorrealismo italiano, mas também podem ser irônicas e mesmo cômicas, como no curta Uma História de Água, de François Truffaut e Jean-Luc Godard.

Não me interessavam documentários nem o uso de imagens de arquivo inseridas na ficção. Selecionei apenas os filmes em que atores e tramas estavam organicamente incorporados aos cenários de destruição recente. A ideia era examinar como as locações atribuíam um valor documental às fabulações e, por outro lado, como a ficção extraía dramaticidade das locações.

A produção é doméstica, sem grandes tratamentos de finalização, mas foi feita com cuidado e inspiração em filmes-ensaio de cunho histórico que eu admiro, como os de Marc Cousins.

A quem for assistir, desejo boa viagem ao fim do mundo.

Abaixo, minha conversa com Regina Zappa sobre Vladimir Carvalho e “Paisagens do Fim”:

13 comentários sobre “Paisagens do Fim – o vídeo-ensaio

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  2. Oi Carlinhos, que ótima ideia! E a execução perfeita: a pesquisa, a montagem e a narração! Concordo plenamente com a Suzana Schild: tem que ser exibido! Parabéns!!! Abração. (tentei por esse comentário no blog mas os entraves com senhas não consegui ultrapassar)

  3. Em tempo, Carlos: as primeiras tomadas do brasileiro “O prisioneiro da grade de ferro” tambem remete e faz refletir sobre o tema ruinas. Lembrei dele enquanto assistia seu ensaio. Wagner

  4. Sábio Carlinhos!!

    Ainda bem que você ouviu Aída Marques. As mulheres têm o hábito de ver longe (rsrsrs).

    Como vc sabe, tive o privilégio de assistir a “Paisagens do Fim” e fiquei impactada pela imensa pesquisa, sua hábil narração em off ( você leva jeito) e, montagem de mestre e, principalmente, com o entrelaçamento doc-dentro-da-ficção que se transforma em…Doc? Ficção? Gênero ainda não catalogado?

    “Paisagens do Fim” compõe uma arqueologia da destruição (natural, intencional) através dos tempos e ações/reações humanas/desumanas que nos acompanham. A utilização dos escombros pelo cinema de ficção compõe um desdobramento de alto impacto por cineastas como David W.Griffith, Abel Gance , Roberto Rossellini, entre tantos outros – há trechos de 46 filmes! Como absorver, por exemplo, a venda de “souvenirs” da catástrofe de Chernobil. Pois é… o humano, o desumano…

    Sem facilitar o slogan, um filme para ver e rever. E, quem sabe, engrenar uma parte II e III ..

    E, já que o projeto se deve a conselho feminino, segue mais um: tente divulgar ao máximo “Paisagens do fim”. Coloque em festivais, sessões especiais, faça um escarcéu. Nada de timidez nesta hora.

    Parabéns e muito obrigada! Vou divulgar como puder.

  5. Carlos, entre a delicia e a desgraca, entre o monstruoso e o sublime, como diria a cancao, seu ensaio nos remete ao estado de coisas que vivemos aqui no pais; e como em “Taiguara” nos enche de memoria sobre o que somos e que poderiamos ser. Abc. Wagner Oliveira

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