O jovem Sherlock
por Paulo Lima
Um ano após o assassinato do seu pai, o guia turístico Stephen Ali, Simon começa a investigar as causas do crime. Não se trata, contudo, de uma investigação qualquer. Simon completou 13 anos e tem o forte desejo de se tornar jornalista. Para descobrir as circunstâncias que levaram à morte do pai, ele dá de forma autodidata seus primeiros passos na tão sonhada profissão, cujos modelos são os apresentadores de TV.
A história dessa investigação é o que constitui o documentário Em Busca de Amani (Searching for Amani), da dupla de diretoras Nicole Gormley e Debra Aroko. O filme assume desde o início a perspectiva de Simon, que vive com a mãe, um irmão e duas irmãs em Laikipia County, um lugarejo do Quênia.
A fotografia e o ritmo da montagem, especialmente nas cenas de abertura, podem dar a impressão de que estamos diante de um desses filmes da National Geographic. Esse zelo estético, que inclui animações infantis denotando a infância de Simon e irmãos, persiste ao longo da narrativa, emprestando certo ar de aventura juvenil às ações do precoce jornalista. No entanto, à medida que o jovem Sherlock avança em suas pesquisas, o documentário vai ganhando contornos mais dramáticos, mantendo contudo certo arejamento narrativo.
Stephen Ali era guia turístico na Reserva Natural de Laikipia County, quando foi morto com dois tiros em 2019, durante um tour em que conduzia dois visitantes. As primeiras investigações de Simon dão conta de que a polícia não explorou o crime como deveria.
O documentário acompanha o crescimento de Simon, envolvido nos ritos de passagem típicos da adolescência, e o cotidiano de sua família, marcada pela tragédia, sem perder de vista os contornos da investigação. Num corte temporal, iremos nos deparar com Simon mais crescido, aos 17 anos, e mais experiente, seguindo as pistas do crime que abateu seu pai.
À medida que se aprofunda no caso, Simon vai descobrindo novos elementos em torno de uma realidade mais complexa que entrelaça a morte de Stephen à questão climática no Quênia. Fustigadas por períodos de seca, as áreas privilegiadas da Reserva Natural de Laikipia County acabavam atraindo o interesse de pastores, que para lá conduziam seus rebanhos de gado, em busca de água. A pressão da explosão populacional sobre as áreas da reserva acabava funcionando como um fator a mais de conflito, gerando tensões entre interesses particulares e conservacionistas.
A investigação de Simon conduz também a um capítulo da história da independência do Quênia. Ao serem forçados a deixar o país, os antigos colonizadores ingleses venderam suas terras privilegiadas aos novos proprietários, formados por ricos europeus. É o caso da área da Reserva de Laikipia County, comprada por mãe e filha inglesas. Essa reapropriação terminou por gerar conflitos entre uma sociedade moderna, representada pelos novos proprietários europeus, e resquícios de uma sociedade tribal formada pelos pastores e seus rebanhos.
No fim das contas, Em Busca de Amani transcende a história de um crime, evidenciando os resquícios da herança do antigo colonialismo, que persistiu sob a forma da presença em território queniano dos antigos colonizadores e suas regalias. Simon mira nos motivos do crime que ceifou a vida de seu pai e acaba acertando num alvo maior, com raízes mais complexas e profundas.
Searching for Amani poderia se passar por mais um filme de denúncia, uma crime story envolvendo os desequilíbrios e injustiças que têm rondado historicamente a realidade africana. Mas logra ultrapassar as produções mais típicas do gênero, graças à inventividade dos recursos utilizados.
Paulo Lima

