Festival do Rio: “Elizabeth Bishop – Do Brasil com Amor”

Vivian Ostrovsky é uma realizadora sui generis. Nascida em Nova York e criada no Rio, com residência hoje dividida entre NY e Paris, ela cultiva um cinema de vanguarda e faz curadorias do gênero pelo mundo afora. Sua filmografia consiste de curtas e médias-metragens, muitos deles em Super 8, que tematizam a Rússia de suas origens familiares, o Rio de Janeiro de suas raízes pessoais e o intenso trânsito entre Israel, os EUA e a Europa. São filmes que se acomodam mal no rótulo de experimentais, mas tampouco se fixam nas esferas do documentário ou da ficção. São híbridos por natureza, repletos de arquivos e observações bem-humoradas.

Elizabeth Bishop: Do Brasil com Amor (Elizabeth Bishop: From Brazil With Love) é o seu primeiro longa, de parcos 68 minutos. Debruça-se sobre a vida brasileira da poeta estadunidense que aqui esteve entre 1951 e 1970. Não é exatamente uma cinebiografia, mas é talvez o filme mais linear e narrativo de quantos Vivian já assinou. O que não significa convencionalismo. Ao contrário, Elizabeth ressurge por meio de uma intensa manipulação de materiais diversos, como fotos, animações, incrustações visuais, trechos de filmes outros e um tecido sonoro riquíssimo em que se mesclam ruídos naturais, alguma música e o áudio dos poemas e cartas da poeta.

A identificação entre Vivian e Elizabeth é reforçada pela voz da primeira lendo as cartas da segunda. Soa como uma perfeita simbiose. Na correspondência com outros poetas e artistas amigos, Elizabeth revelava-se uma cronista bem-humorada do olhar estrangeiro sobre o Brasil. Vindo de um período de depressão, ela encontrava no Rio, em Petrópolis e em Ouro Preto versões do paraíso na Terra. Mesmo considerando o Brasil um “país atrasado”, caiu de amores pela natureza, pela “bagunça” reinante, por um tucano e um gato de estimação, e principalmente pela arquiteta e urbanista autodidata Lota de Macedo Soares, com quem viveu um longo romance.

Enquanto esteve por aqui, Elizabeth encontrou  motivos para reativar sua produção poética, ao mesmo tempo que eventualmente produzia textos sobre o Brasil para publicações estrangeiras. Recebia a visita de figuras como Aldous Huxley, Alexander Calder e Robert Lowell.

Em parceria com a codiretora e montadora Ruti Gardish, Vivian fez um filme cheio de camadas, articulando a jornada pessoal de Elizabeth com os fatos históricos do período. Contaminada pela amizade de Lota com Carlos Lacerda, ela acompanhou o conflituoso planejamento do Parque do Flamengo, liderado pela companheira, e viu com bons olhos o golpe de 1964: “uma rápida e bonita revolução”, como definiu. Logo em seguida a essa informação, Vivian insere uma cartela definindo o golpe e a ditadura que se seguiu, coisas que a mentalidade apolítica de Elizabeth só iria perceber tempos depois.

A abundância de textos escritos na tela ou oralizados no tom ameno de Vivian não sobrecarrega o filme. Em vez disso, confere uma sensação de serena intimidade. O recurso a arquivos os mais diversos e às animações originais, próximas do estilo pictórico de Norman Rockwell, criam uma dinâmica agradabilíssima.

Embora sejam em quase tudo diferentes, ou talvez por isso mesmo, o filme de Vivian faz um bom pendant com Flores Raras, de Bruno Barreto, que coloca ênfase maior na relação amorosa entre Elizabeth e Lota. Para Vivian, amante dos trânsitos, o que mais importava era sondar o efeito Brasil na vida e na obra da poeta.

SÁB (11/10) 15:30 Estação NET Gávea 4
DOM (12/10) 19:45 CineCarioca José Wilker 2

Trailer sem legendas:

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