Uma aventura saída do baú de Fellini

Desde a última quarta-feira, 29/10, os fãs do cinema da terra de Fellini podem se esbaldar com a 20ª edição do Festival de Cinema Italiano, evento gratuito promovido pela Câmara de Comércio Italiana de São Paulo – ITALCAM, em colaboração com a Embaixada da Itália e com o Ministério da Cultura.

O festival deste ano tem duas mostras: uma de filmes inéditos de diretores como Gabriele Salvatores, Silvio Soldini, Michele Placido, Ferzan Özpetek e Roberto Andò; e uma retrospectiva de grandes cineastas do passado, entre os quais Ettore Scola, Vittorio De Sica, Roberto Rossellini, Elio Petri, Francesco Rosi, Pier Paolo Pasolini e Mario Monicelli.

A programação pode ser conferida no site do festival.

Uma das atrações inéditas é Napoli-New York, o novo filme de Gabriele Salvatores (Mediterrâneo, Eu Não Tenho Medo). A aventura das duas crianças entre uma Nápoles devastada pela II Guerra e uma Nova York promissora de sonhos foi rascunhada por Fellini e Tullio Pinelli em fins dos anos 1940, antes mesmo que Fellini dirigisse seu primeiro filme.

O desenvolvimento dado por Salvatores ao argumento original, mesmo considerando que este foi escrito sob a égide emocional do neorrealismo, é bem mais romanesco do que se pode imaginar se fosse levado adiante por Fellini. As referências fellinianas, por sinal, incluem prostitutas corpulentas e uma nave que va. Mas o filme está abarrotado de soluções dramatúrgicas fáceis, personagens bondosos saídos do nada para ajudar os pequenos Carmine e Celestina em sua jornada de imigrantes.

Eles estão à deriva, sem família, numa Nápoles destruída de 1949, quando os soldados aliados já haviam partido, levando embora chocolates e oportunidades no mercado negro. Napoli-New York abre um diálogo explícito com Paisà, de Roberto Rossellini, de cujo roteiro Fellini participou. Um dos episódios de Paisà tratava justamente de um garoto de rua que interagia com um soldado negro em meio aos escombros de Nápoles. Carmine também cria um laço com um negro estadunidense, o cozinheiro do navio onde ele e Celestina vão embarcar como clandestinos para Nova York. Em Manhattan, um cinema estará exibindo – adivinhem que filme?

A pegada neorrealista da parte napolitana vai dar lugar a um thriller urbano na metade nova-iorquina. Com direito a toques de comicidade na figura do capitão do navio (o carismático Pierfrancesco Favino), um dos vários personagens que sucessivamente vão servir de anjos da guarda para as crianças. O roteiro de Salvatores acumula episódios e subtemas sem muita sutileza ou elegância. Assim, vamos passando pela viagem penosa no porão do navio, pelo preconceito contra imigrantes – especialmente os “italianos fedorentos” – pelo julgamento de uma pobre assassina condenada à morte e por uma atuação avant la lettre do movimento Women’s Lib, coisa que só surgiria na década de 1960.

Mas não importa. Salvatores troca a sofisticação narrativa e a lógica histórica por uma aposta no apelo nostálgico de um cinema italiano do passado. Com sua Nova York de estúdio, evocada em trucagens fantasiosas, e sua abundância de standards na trilha musical, Napoli-New York investe na inocência das crianças e no desejo básico de possuir uma família. A semelhança entre a Estátua da Liberdade e a Madonna de Pompeia é um deslumbramento infantil que o filme opera a seu favor.

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