Suíte de ruínas

Um curta cearense está chamando atenção nos festivais por onde passa. Já venceu dois: o de Jericoacoara e o prêmio do público no Festival Art Déco de Cinema, em São Paulo. Chama-se Mato Alto – Pedra por Pedra, e poderia ser um documentário bastante convencional sobre o assunto escolhido: um complexo de arquitetura visionária construído no sertão cearense na primeira metade do século passado.

Mas de convencional é que o filme do iniciante Arthur Leite, de 19 anos, feito para o projeto Revelando os Brasis, não tem nada. Arthur preferiu contar essa estranha história mais pelos ecos que pelos fatos. Sem linearidade nem preocupação explicativa, o filme emenda falas, sussurros, preces, ruídos e silêncios numa pequena suíte sobre as ruínas de um tempo e de uma saga familiar. O perfil de José Honorato, o construtor do complexo (formado por um casarão muito comprido, um poço gigantesco, um tanque e uma capela suspensa) nos chega em fragmentos tênues e contraditórios. O único sobrevivente dos muitos filhos e sua mulher exumam trapos de memória que dão conta de um homem empreendedor e competente, mas também patriarcal e obcecado, que não poupou a saúde da família para colocar de pé o seu sonho.

Mato Alto tem imagens e edição sonora de grande beleza a serviço de uma estrutura ousada, disposta a mais fazer sentir que explicar. Uma cena em especial, a árdua subida do velho Egídio ao santuário, ajudado pelo próprio diretor, tem, guardadas as proporções, grandeza similar à romaria ao Monte Santo em Deus e o Diabo na Terra do Sol. A forma de mostrar os interiores do casarão me lembrou uma sequência de O País de São Saruê, razão pela qual fiz questão de mostrar o curta a Vladimir Carvalho. “Um filme sobre fantasmas”, como disse Zeca Ferreira, que me trouxe o DVD do Ceará. Fantasmas de uma medievalidade que teima em deixar vestígios nos rincões do Nordeste brasileiro.

Torço para que Mato Alto chegue logo a um mostra no Rio ou, que seja, à internet.

6 comentários sobre “Suíte de ruínas

  1. Conheço in loco essa propriedade mas ainda não tive acesso ao documentário. Esse e outros comentários que já li na internet, retrata bem a saga daquela família. Uma das coisas que me impressionam ao visitar aquelas ruínas é o grande curral de pedra sobre pedra sem uso de qualquer tipo de argamassa, que alojou por muito tempo a criação de gado vacum em grande quantidade na fazenda Mato Alto dos aureos tempos.

  2. Pingback: MATO ALTO visto por Carlos Alberto Mattos « Aurora de Cinema Blog

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