UM ELEFANTE SENTADO QUIETO, em cartaz esta semana no Instituto Moreira Salles (Rio)
É irresistível a tentação de ver (ou reconsiderar) UM ELEFANTE SENTADO QUIETO à sombra do destino de seu diretor. Hu Bo era um romancista promissor e curta-metragista que acabava de montar este seu primeiro longa-metragem quando se enforcou na escada de seu edifício, aos 29 anos. Ao que consta, conflitos com os produtores a propósito da duração do filme o levaram a um estresse extremo e a beber demais.
Não quero dizer que os produtores tinham razão, mas só os caprichos de um autor vaidoso justificariam as quase quatro horas pelas quais somos convidados a acompanhar os passos dos quatro personagens principais através de um loooooongo dia numa pequena cidade do Norte da China. Hu Bo tinha em mente o seu ídolo Béla Tarr e, certamente, uma mirada para Jia Zhang-ke e suas histórias de rebatimento da situação da China em indivíduos sob condições críticas.
A situação econômica penaliza as famílias pobres e cria um cenário de desolação na cidade. Lixo por toda parte, obras interrompidas, prédios anódinos e interiores dilapidados não oferecem horizonte de felicidade para ninguém. As pessoas com frequência reclamam de si mesmas e do mundo. Estão presas num círculo de dissabores, razão pela qual se encantam com a notícia de que, numa cidade distante, um elefante está sentado quieto e parece ter perdido a vontade de viver. Esse atrativo, um tanto mórbido mas tido como “engraçado”, passa a ocupar um lugar semelhante ao ponto de evasão que Moscou representa em As Três Irmãs, de Tchekhov.
A morte marca presença no filme com implacável regularidade. Logo no início, um homem se joga pela janela ao chegar em casa inesperadamente e encontrar sua mulher em companhia de seu grande amigo. Na escola local, um menino defende um colega de uma acusação de roubo e acaba provocando a queda fatal do acusador. A violência ou a fatalidade estão sempre à espreita. Além de um cachorrinho atacado por outro maior, mortes adicionais podem ocorrer sem que o filme confirme.
O micropainel de desesperados se completa com uma estudante que mantém um caso com o vice-diretor da escola, um idoso cuja família quer enviá-lo para um asilo e um pequeno gângster envolvido em dois desses plots. As ações de cada um são interrompidas e retomadas do mesmo ponto mais adiante. De manhã à noite desse dia fatídico, eles eventualmente se cruzam, destilando ora ódio, ora compaixão, e tentando entender o que a vida lhes reserva. Um sabor de Dostoiévski não é alheio à sina daqueles infelizes.
Os caprichos do também infeliz Hu Bo exigem uma disponibilidade especial do espectador. Durante 230 minutos, ele nos conduz através de extensos e milimétricos planos-sequência, em que a câmera praticamente roteiriza, filma e monta ao mesmo tempo. Alguns deles, como os 18 minutos sem corte do encontro de três personagens num terraço perto do final, são nada menos que prodigiosos.
Os planos longos e contínuos, se por um lado conferem certa densidade às cenas, por outro arrastam a narrativa para muitos tempos mortos e vazios um tanto pretensiosos. Com a maior parte dos diálogos se constituindo de queixas, acusações, hesitações, divagações e muitas, muitas pausas, um clima depressivo e lacônico se instala desde cedo e quase não dá trégua.
A câmera de Chao Fan mantém-se colada aos personagens, com foco curto que borra tudo o que está para além deles. A intenção evidente de criar uma atmosfera claustrofóbica, mas também de atiçar a curiosidade do público pelo que está desfocado, acaba virando mero fetiche por sua insistência desnecessária. Como fetichista é também o uso extensivo dos “planos Dardenne” (atores caminhando com a câmera colada a sua nuca).
Dependendo da futura relação com seus produtores, Hu Bo poderia vir a ser um dos grandes cineastas chineses contemporâneos. Infelizmente, sua carreira parou nesse cartão de visita ambicioso mas autoindulgente.