Desconexas aventuras de um burrico

EO concorre ao Oscar de filme internacional

Não é a primeira vez que um burrico protagoniza longa-metragem de um grande cineasta. Em 1966, Robert Bresson nos trouxe o clássico Au Hasard, Balthazar (no Brasil, A Grande Testemunha), que narrava as maldades cometidas pelos humanos a um jumento, que por sua vez encarnava um ícone de espiritualidade quase santa. Em EO, o polonês Jerzy Skolimowski criou uma versão meio surreal do filme de Bresson. Não é uma homenagem explícita, mas uma inspiração óbvia. Está indicado ao Oscar de filme internacional e Cannes lhe deu o Prêmio do júri e o de melhor trilha musical (Pawel Mykietyn, estupendo – ouça no Spotify).

O asno Eo (“interpretado” por seis diferentes animais) é visto numa sucessão de situações que evoluem do carinho de sua primeira dona, uma artista de circo, através de diversas fazendas e encontros com humanos cruéis ou gentis. Ao interferir involuntariamente num jogo de futebol, Eo é endeusado pelo time vencedor e espancado pelos perdedores. Tem as oportunidades de contemplar a morte numa incursão pela selva e de se vingar de um homem que aprisionava animais silvestres. É apreendido por bombeiros ao passear por uma cidade vazia e mais tarde recolhido por um jovem aristocrata italiano.

Cada uma dessas sequências é separada da seguinte por elipses bruscas ou vinhetas estrambólicas que sugeririam o olhar, as lembranças ou emoções do jumento diante dos homens, de outros animais e até de um animal robótico. Skolimowski diz ter usado essa estrutura “livre” e pouquíssimos diálogos para fugir da narratividade convencional. A meu ver, construiu pouco em seu lugar. O filme me pareceu disparatado e incapaz de fornecer a prometida perspectiva do animal sobre o mundo que o cerca. Com isso, o fator empatia sai prejudicado.

Não que as imagens não sejam poderosas, com a câmera “viva” muito típica de Skolimowski e o senso permanente do inesperado. Mas aqui a impressão é de que o cineasta filmou uma série de cenas com o bichinho em circunstâncias curiosas e depois, na edição, formatou o que foi possível sem se preocupar em tapar os buracos. Para muita gente, isso é liberdade narrativa. Para mim, é auto-indulgência de um mestre do cinema ainda vigoroso aos 84 anos.

Peço licença para voltar a usar a palavra “estrambólica”, a única capaz de definir a súbita aparição de Isabelle Huppert num dos trechos mais desconexos do filme.

>> EO ainda não foi lançado comercialmente no Brasil.

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