Fronteiras dramáticas do Acre

NOITES ALIENÍGENAS

Chico Diaz e Gabriel Knoxx

A informação vem no letreiro final: nos últimos dez anos, a migração de organizações criminosas do Sudeste para a Amazônia aumentou em quase 200% os assassinatos de crianças e jovens no estado do Acre. É o que está na base do romance de Sérgio de Carvalho, adaptado livremente para o cinema e dirigido por ele mesmo. Noites Alienígenas faz uma crônica sintética desse estado de coisas através de cinco personagens intensos. Foi o grande vencedor de Gramado 2022: melhor filme, ator (Gabriel Knoxx), ator coadjuvante (Chico Diaz), atriz coadjuvante (Joana Gatis), Prêmio da Crítica e Menção Honrosa ao ator Adanilo. 

O filme começa com uma estrutura bastante solta, composta de alguns planos-sequência memoráveis mas que não permitem antever os rumos dramáticos futuros. Na periferia de Rio Branco, temos Riva (Gabriel Knoxx, ator e Mc), jovem traficante que trabalha para Ale (Chico Diaz), um mitômano supostamente carioca que o tem como uma espécie de filho. Riva namora Sandra (Gleici Damasceno), que tem um filho com Paulo (Adanilo), rapaz indígena atormentado pela dependência das drogas. A mãe de Riva (Joana Gatis) dissipa a solidão em bailes de carimbó e vive na fronteira entre o vício e a responsabilidade maternal.

Adanilo

À medida que vamos convivendo com os fragmentos daquelas vidas, a tensão se encorpa a partir de dois polos: os transtornos de Paulo e um desentendimento entre Riva e Ale, que leva o rapaz a procurar uma gangue rival.

Noites Alienígenas é um filme de trânsitos desesperados. Trânsitos entre o crime e a vida afetiva, entre a família e as ligações perigosas, entre a dura periferia da cidade e a floresta com seus sortilégios. A metáfora da cobra, que aparece em sonhos a Paulo e depois se converte em possível instrumento de cura, assim como as referências à abdução por discos voadores, são elementos que acrescentam mais um deslizamento: entre realidade e magia.

Joana Gatis

Sérgio de Carvalho conduz de maneira simples, mas prodigiosa, este entrelaçamento de destinos, prendendo-nos aos poucos em sua rede. O elenco está impecável, e o mesmo se pode dizer da fotografia de Pedro von Krüger, da montagem imprevisível de André Sampaio e do trabalho extremamente sugestivo da equipe de som.

O Acre tem a sorte de estrear no longa-metragem de cinema com um filme de alta qualidade, que traz um bom panorama da cultura urbana local. Lá estão os grafites, as rodas de slam, a dança de rua, as batalhas de freestyle e também os cultos evangélicos e os rituais indígenas que convivem no mosaico cultural da Amazônia contemporânea. Noites Alienígenas faz um belo par com Rodantes, longa que colocou Rondônia no mapa da produção recente.

>> Noites Alienígenas está nos cinemas.

4 comentários sobre “Fronteiras dramáticas do Acre

  1. Ótimo filme, tenso e profundo, com subtextos narrativos instigantes, e como sempre crítica e análise de Carlinhos na mosca.

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