Figuras na contraluz

RODANTES no streaming

As frequentes imagens em contraluz não são um simples maneirismo em Rodantes. São um recurso de linguagem. Geram uma visualidade ofuscante, que desfaz os contornos de personagens e lugares, remetendo tudo a um lusco-fusco quase permanente. É assim, entre o turvo e o cegante, que conhecemos Tatiane (Caroline Abras), moça à deriva na prostituição de estrada; Odair (Jonathan Well), rapaz em busca de evasão e de compreender sua sexualidade; e Henry (Félix Smith), imigrante haitiano que luta para sobreviver com sua família. O cenário é Rondônia, com seus bares rodoviários, conflitos de garimpo, chacinas, bordeis e muquifos.

Um Brasil violento e rude, sem delineamento claro, tal como o destino do trio principal. Também sem contornos nítidos é a história de cada um deles. Em meio a uma narrativa ultrafragmentada, reconhecemos curtos flashbacks de seus passados, que apenas insinuam traumas deixados para trás. A câmera oscilante exprime instabilidade, decisões súbitas que podem levar a uma trepada na boleia de um caminhão, a um culto evangélico ou a um ato de brutalidade.

O diretor Leandro Lara (também conhecido como Leandro HBL) não rompe com a linearidade, mas a redesenha com elipses bruscas e recorrências ligadas à água e ao fogo. O que se agarra à sensibilidade do espectador é mais um estado que uma sucessão de fatos. No lugar da vitimização de pobres e desgarrados, Rodantes oferece um curto-circuito de desejos e suplícios que se confundem, mas não deixam espaço para o amor. Coisa ao mesmo tempo vital e trágica.

A fina elaboração do filme se faz com um grande sentido de liberdade, variando entre um mosaico impressionista e cenas físicas de alta potência. A sequência de ação que conclui o filme é um primor de ritmo dramático e desenlace intrigante. Entre os muitos riscos que a proposta correu, o mais bem sucedido é não nos deixar indiferentes por um minuto sequer.

>> Rodantes está na plataforma Mubi

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Um comentário sobre “Figuras na contraluz

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