Que tal um teatrinho?

Três peças a que assisti em dezembro retomam a temporada em janeiro no Rio. Comento rapidamente cada uma:

Foto: André Wanderley

HORA AMARELA é o segundo texto de Adam Rapp encenado no Brasil por minha irmã Monique Gardenberg. O primeiro foi “O Inverno da Luz Vermelha”. Os trabalhos de Monique no teatro têm privilegiado obras muito contemporâneas de autores estrangeiros (Robert Lepage, Neil Labute, Haruki Murakami), nos quais ela vai buscar traços de universalidade que permitam uma comunicação indireta com o público brasileiro. HORA AMARELA é uma ficção científica heavy metal concentrada num abrigo subterrâneo, onde Ellen (Deborah Evelyn) se protege de uma misteriosa invasão na cidade. Diversos personagens chegarão até ali, colocando em xeque a resistência, a solidão e a capacidade de Ellen de enfrentar a verdade. Ao mesmo tempo que procura o universal pelos apelos básicos do humano (o cuidado com o outro, o amor, a sobrevivência), Adam Rapp também alude a ingredientes bem concretos e locais: a paranoia muçulmana que assolou os EUA depois do 11 de setembro, o horror a um estado totalitário pautado pelo controle e a eugenia racial. Eis um tipo de espetáculo que desafia a direção a encontrar um ponto delicado entre a linguagem contemporânea e os cânones teatrais. Monique, a meu ver, tem aqui menos material para inovação, mas investe numa movimentação cênica absorvente e numa ambientação sonora sugestiva com ruídos fora de cena. A montagem tira bom partido do cenário de Daniela Thomas com sua entrada pelo alto e um banheiro onde os personagens se refugiam nos momentos de maior intimidade. A peça está em cartaz no CCBB até 8 de fevereiro.

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Foto: Rodrigo Castro

A história de Joseph Merrick, portador de uma horrível deformação corporal na Inglaterra vitoriana, rendeu pelo menos três obras importantes: O livro “The Elephant Man and Other Reminiscences” (1923), do médico Frederick Treves, que cuidou dele; o filme de David Lynch (1980); e a peça O HOMEM ELEFANTE (1977), de Bernard Pomerance, que está sendo montada pela primeira segunda vez no Brasil, no Oi Futuro Flamengo. Os encenadores Cibele Forjaz e Wagner Antônio tomaram várias liberdades em relação ao texto original, a começar pela adoção de máscaras, próteses e bandagens, descartadas por Pomerance. No Oi Futuro Flamengo, a ação se distribui entre dois palcos que se defrontam. Assim, o hospital em que Merrick (John na peça) é acolhido e amestrado para as regras da sociedade aparece também como uma ribalta dos bons costumes e do conformismo. O texto, muito bem traduzido, é degustado nos mínimos detalhes pelos quatro atores, dando a exata dimensão do trágico e do patético na história daquele infeliz transformado primeiro em atrativo de feira, depois em mascote da aristocracia. O destaque natural vai para Vandré Silveira, cuja performance física e vocal é absolutamente impressionante. Há tempos eu não via algo tão visceral no palco. Nem um espetáculo tão coeso, maduro e inquietante.

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Foto: Ana Rovalti

Com seu novo visual platinado, Karine Teles dá mais um show de interpretação como uma esposa supostamente traída na peça O BRANCO DOS SEUS OLHOS, que volta ao cartaz a partir do dia 13 no Teatro Poeira. O elenco é muito bem completado por Fabiano Nunes e Amanda Vides Veras. O texto de Álvaro Campos, dirigido por Alexandre Mello, conjuga dois tempos de maneira engenhosa e sutil, fazendo com que passado e presente se encontrem fisicamente no palco e virtualmente através do duelo de relatos das duas mulheres. Lauro, o pivô da história, é um dançarino que se deixa fazer prisioneiro numa relação neurótica com a mulher, uma executiva do ramo bancário. O Facebook e o mercado financeiro, dois signos de desmaterialização do nosso tempo, têm papéis fundamentais na trama, além de chás artesanais e uma certa pintura latino-americana. Boas surpresas são reservadas para os momentos finais. A encenação é despojada mas bastante coesa. Embora quase tudo funcione com precisão, é a autoridade cênica de Karine que nos carrega, como de praxe no domínio das grandes estrelas.

3 comentários sobre “Que tal um teatrinho?

  1. Bom dia! Posso estar enganado, mas tenho quase certeza que “O Homem Elefante” já foi montado no Brasil. Na época, o ator (que não lembro quem era) não usava máscara nem prótese alguma, transmitia a deformidade pela postura e expressão corporal. Não pude assistir, mas foi muito comentada essa encenação, ao que eu me lembre.

    • Valeu o toque, Gallego. Houve sim uma montagem dirigida por Paulo Autran, com elenco liderado por Ewerton de Castro (no papel título) e Antônio Fagundes. Informações do querido e também atento Reinaldo Benjamim Ferreira.

      • Esses nomes eram todos mais atuantes em SP do que no Rio nesta época, nem tenho certeza da montagem ter vindo para cá, Eu achava que o ator teria sido o Ricardo Blat. Pelo vito, não foi.

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