Tempos atrás pensei em fazer um livro com historietas curiosas que vivenciei em minhas viagens, sobretudo aquelas por países distantes em que as diferenças de hábitos e cultura ocasionam surpresas de todo tipo. Depois desisti da ideia, mas guardei algumas, principalmente da Índia. Vou publicá-las esparsamente aqui no blog.
Proposta discreta
Quando proíbem o turista de tirar fotos em algum lugar, os guardas e seguranças indianos o fazem quase sempre com um sorriso nos lábios. À primeira vista, parece que estão autorizando.
Na grande caverna hinduísta da Ilha de Elefanta, perto de Bombaim, um desses simpáticos funcionários comunicou-me que não era permitido rodar a câmera de vídeo. De vez em quando, ele enviava sorrisos adicionais à distância. Depois de um tempo, aproximou-se e perguntou algum detalhe técnico sobre a minha câmera. Em seguida, com o sorriso adquirindo subitamente a forma de um cifrão, ofereceu em voz sussurrada: “Would you like?”. Polida e politicamente correto, recusei. Ele voltou a sorrir e se afastou.
Foi a proposta de corrupção mais cortês e amável com que jamais me deparei.
“Me filma”
Apontar uma câmera de vídeo em espaço público da Índia é sempre o princípio de uma grande festa. Crianças se apresentam para ser filmadas, e atrás delas vêm o pai com ar condescendente, a mãe com seu sorriso tímido, os parentes intrometidos. Todos se divertem muito em posar, sobretudo se a tela do monitor estiver voltada para eles próprios, e agradecem ao final. Em Agra, até um grupo de guardas pediu que eu os filmasse. Mas uma variante dessa comoção é especialmente curiosa: homens e rapazes, em tom de galhofa, apontam para seus amigos propondo que os filme. Esses, inexplicavelmente, parecem não gostar da brincadeira e viram o rosto para o outro lado.
Os elefantes e a mídia
Éramos um pequeno grupo de turistas ocidentais à espera dos elefantes que nos conduziriam rampa acima até a majestosa fortaleza de Amber, nas cercanias de Jaipur. Um cinegrafista aproximou-se. Seu companheiro pediu que um de nós desse um depoimento para a câmera. Mas não seria um depoimento qualquer, senão um preciso texto que ele se apressou em ditar:
– Somos da televisão e estamos aqui para ajudar a vocês, turistas. O senhor ou a senhora poderia dizer que está aqui há quase uma hora, sob o sol, e que isso é uma situação muito desagradável; que alguma coisa precisa ser feita para melhorar o turismo neste local; que o governo deveria colocar mais elefantes no serviço; ou que, ao menos, deveria permitir que cada elefante levasse quatro pessoas, em vez de duas.
Nenhum de nós concordou em recitar script tão premeditado. Alegamos desconhecer as questões envolvidas. E se o governo estivesse protegendo condignamente os pobres elefantes? Os supostos homens da TV ainda argumentaram que era para o nosso bem, mas acabaram mesmo voltando de fitas vazias. Meia hora depois, estávamos no lombo dos gentis paquidermes, cambaleando sem jeito nem culpas, até o topo da montanha. E sabendo um pouco mais sobre o funcionamento da mídia na Índia.
Que bom. Continue, ok?
Agradeço o estímulo, Rob