O inferno da paixão sem meias-palavras

O momento decisivo de “Na Carne e na Alma”

Vai até quinta-feira no Cine Olido, em São Paulo, a mostra “A Chave Mágica do Cinema de Alberto Salvá”. É uma rara oportunidade de ver o conjunto da obra desse realizador um tanto especial no panorama do cinema brasilero. Nascido em Barcelona, chegado ao Brasil aos 14 anos de idade, Salvá não era dos mais conhecidos cineastas brasileiros, mas tinha seu nome tatuado em filmes seus e alheios, programas da TV Globo e no ensino de roteiro (saiba mais sobre ele). A Menina do Lado (1987) foi seu maior sucesso comercial e Um Homem sem Importância (1971), sua obra-prima. Faleceu em outubro do ano passado, depois de ver pronto seu último longa, Na Carne e na Alma.

Este filme, ainda inédito em circuito, passa terça, quarta e quinta às 19h30 no Olido. No Rio, será reprisado pela Mostra do Filme Livre (CCBB) no próximo dia 20, às 17h30. Agende-se porque esse conto de uma paixão infernal merece ser visto.

Na Carne e na Alma tem ingredientes comuns a outros filmes de Salvá, como o erotismo e os rumos desvairados a que o amor pode levar as pessoas mais comuns. Nesse caso, um jovem universitário tipo garanhão (Karan Cabral) que mora em Niterói e exerce seu donjuanismo numa faculdade da Zona Sul do Rio. Quando ele conhece Mariana (Raquel Maia), sobretudo quando é apresentado aos seios perfeitos da moça, o vírus da dependência se instala inapelavelmente. Ele passa a querer “tudo” de Mariana, inclusive o que está além de todas as conveniências. A paixão não conhece limites escatológicos, nem Salvá estava disposto a respeitá-los. Nesse sentido, é um dos filmes mais ousados já feitos no Brasil.

Essa potência de ousadia é atenuada por um enfoque bastante romântico, como se fosse um teste para ver até onde o lírico das intenções resiste à crueza da exposição. Essa mesma potência vai compensar as deficiências mais evidentes no vácuo entre roteiro (baseado no romance Deusa Cadela, de André Abi-Ramia) e realização. Embora os diálogos sejam quase sempre inspirados e adequados, há uma defasagem entre a maneira de os atores se colocarem em cena – mais o ator que a atriz – e as situações que os personagens se dispõem a viver. Isso faz alguns momentos parecerem gratuitos ou desmotivados, assim como a caracterização dos pais se acomoda em estereótipos.

É curioso, porém, como certas imperfeições acabam contribuindo um pouco para a estranheza e o desconforto causados pelo filme. Elas parecem emanar da própria natureza desse amor sujeito ao imprevisto dos humores, às banalidades do cotidiano e à imperfeição básica, afinal, de qualquer caso de paixão.

Veja o trailer:

Um comentário sobre “O inferno da paixão sem meias-palavras

  1. Muito bom ver um bom filme de um grande diretor resenhado à altura.
    Salvá merece todas as homenagens, e esse filme foi uma grande alegria para ele, que voltou a vibrar num set com atores que adorou dirigir.
    Já está inscrito em Cannes, e aqui no Brasil a luta pela distribuição continua. O título do filme, como aparece na abertura, foi cravado à mão pelo próprio Salvá com goiva sobre madeira – marca indelével de autoralidade. Na última cena, uma referência explícita e intencional a um certo filme de Cassavetes, um diretor que ele adorava.

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