Dois filmes brasileiros em cartaz tratam de relações obscuras entre meninas e homens que representam a figura paterna. Ambos são graves e cheios de áreas cinzentas, mas deixam a desejar em termos de concepcão e realização.
Falta música a INTRODUÇÃO À MÚSICA DO SANGUE. Não falo somente dos belos temas musicais de David Tygel (originais) e de Tom Jobim (“Porto das Caixas”), que deveriam ter encharcado mais o filme com seu lirismo. Falta “música” principalmente na direção de Luiz Carlos Lacerda, rígida demais para deixar fluírem as pulsões emocionais e sexuais da história.
Lacerda tem o mérito de levar à tela um argumento do seu mestre Lúcio Cardoso, de quem já adaptou “Mãos Vazias” e concluiu “A Mulher de Longe”. Típico universo do autor, INTRODUÇÃO lida com um núcleo familiar enfestado pelo desejo, as repressões e a incomunicabilidade. Um maduro casal rural leva vida anódina e anacrônica enquanto a jovem que vive com eles desabrocha para a vida amorosa. Cavalos em debandada, pássaros engaiolados e goiabas que se espatifam vermelhas no chão passam por metáforas um tanto óbvias.
O roteiro preparado por Lacerda tem a ótima intenção de traduzir visualmente o argumento, mas o resultado é duro, engessado demais por uma direção pouco inspirada e uma fotografia claudicante. Bete Mendes e a menina Greta Antoine têm atuações descoloridas, ao passo que Ney Latorraca, no papel de um velho retrógrado e libidinoso, oscila entre o dramático e o involuntariamente cômico por conta da imagem que o ator sempre projeta.
A ideia de mostrar uma célula caracterizada pelo anacronismo levou a um estranho filme fora do tempo. Sem a musicalidade que Paulo Cesar Saraceni emprestava a suas adaptações de Lúcio Cardoso, INTRODUÇÃO se presta mais a ilustrar o argumento inédito que a transformá-lo no filme que poderia render.
MULHER DO PAI monta um triângulo amoroso entre um pai cego, sua filha adolescente e uma professora-terapeuta. O primeiro longa de Cristiane Oliveira vem sendo elogiado pela forma supostamente delicada com que trata a zona cinzenta do incesto e a poça vermelha do ciúme. Minha análise não vai por aí. O filme me pareceu balançar entre a timidez da encenação e o laconismo da dramaturgia. Os esquemas cênicos são bastante limitados, e a oralização dos diálogos padece de um automatismo muito comum a realizadores inexperientes ou que adotam o realismo com luvas de pelica.
Um campo potencialmente interessante é a ambiguidade da relação entre Nalu e seu pai, marcada por negações e sutis incitamentos. Mas mesmo aí as oportunidades são desperdiçadas em episódios pouco significativos, que evoluem em ritmo lerdo rumo, afinal, a lugar nenhum.
A fronteira entre Brasil e Uruguai tem importância capital na história, pois os influxos amorosos e os desejos de evasão vêm sempre do país vizinho. Por isso mesmo é uma pena que Christiane não tematize mais profundamente esse elemento. Num certo momento, os três personagens visitam o marco da fronteira, mas a cena é tratada como qualquer outra, sem explorar o aspecto e o significado do lugar.
Este é um caso em que a ousadia do tema pediria um tratamento mais atrevido para não estacionar no lugar-comum dos tantos filmes (inclusive brasileiros) já vistos sobre relações erotizadas entre pais e filhas.