O longo caminho de Quincy Jones

por Paulo Lima

O documentário QUINCY, que estreou há pouco na Netflix, é uma espécie de álbum de família do mega produtor, arranjador, músico e compositor americano Quincy Jones.

Talvez pela origem familiar – sua filha Rashida Jones divide a direção do filme com Alan Hicks -, a produção ganha o tom de homenagem, de balanço de vida.

Com 85 anos, sobrevivente de dois AVCs e de um problema cardíaco, Quincy é o mestre de cerimônias do próprio filme. Tudo é hiperbólico nessa lenda do showbizz que trabalhou com Ray Charles, Miles Davis, Ella Fitzgerald, Frank Sinatra e Michael Jackson. Quincy gravou mais de 300 álbuns, fez mais de mil composições, produziu 51 filmes, gravou quase 3 mil canções, ganhou 29 prêmios Grammy, e é um dos poucos artistas a receber, além do Grammy, o Oscar, o Tony e o Emmy.

Embora já estivesse na estrada há muito tempo – ele entrou na música cedo, ao descobrir o trompete, e, graças a seu talento, foi adotado musicalmente aos 18 anos por Duke Ellington -, foi como produtor de Michael Jackson, em álbuns de sucesso como “Off the wall”, “Thriller” e “Bad”, que ele se tornou conhecido do grande público. O enorme êxito de “We are the world”, o single mais vendido de todos os tempos, ampliaria a fama de Quincy.

Duke Ellington, por sinal, orientou Quincy a explorar outros estilos musicais e não permanecer somente no jazz, conselho que ele poria em prática com sabedoria.

O longa-metragem convenientemente apara a polêmica que Quincy manteria posteriormente com Michael Jackson. Quincy acusou o mega popstar de ter roubado algumas de suas canções.

Somos bombardeados por essa produtividade de ritmo insano durante duas horas de filme. Sua história é a de alguém que, tendo nascido no sul de Chicago, acabou escapando pelo talento e por uma resiliência descomunal.

Aos 7 anos, a mãe de Quincy foi diagnosticada com esquizofrenia e internada. Quincy e o irmão acabaram sendo criados pela avó. A miséria em que viviam era tão desesperadora que a avó cozinhava qualquer coisa que aparecesse, até ratos.

Ao lado do irmão, ele levou uma infância de menino de rua, que precisava lutar fisicamente para sobreviver. Numa cena do filme, Quincy mostra gravadas no corpo as marcas das agressões que sofreu.

A volúpia com que mergulhou na música, nos prazeres, nos amores teria como base, segundo Quincy, essa carência material e afetiva. Dos seus quatro casamentos, dois deles, mais duradouros (com a sueca Ulla Anderson e com a atriz Peggy Lipton), são abordados no filme, mas, curiosamente, seu casamento com a atriz Nastassja Kinski, com quem teve uma filha, não é mencionado.

Um dos eixos narrativos do documentário é a organização, a cargo de Quincy, do show de inauguração, ainda no governo Obama, do primeiro museu do país dedicado à experiência afro-americana, empreitada quase abortada devido a um súbito mal-estar cardíaco de Quincy em pleno palco.

Em raro momento de melancolia, Quincy lamenta a morte dos amigos. “Isso me deixa louco. É difícil porque você sabe que aquele telefone nunca será atendido de novo.”

O filme mostra um Quincy generoso com todos, adotando jovens artistas talentosos, como ele próprio foi adotado um dia. A questão racial, naturalmente, permeia o filme. Embora Quincy Jones tenha sido o primeiro compositor negro a emplacar uma trilha sonora no cinema, e apesar de ter acumulado tantas realizações, ele reconhece que, em termos de conquistas dos afro-americanos, ainda há um longo caminho a percorrer.

Paulo Lima

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