ENCANTADO – LE BRÉSIL DÉSENCHANTÉ
Onde está o encantamento que nos fazia sorrir nos anos Lula? Para onde foi a esperança de que o Brasil pudesse superar minimamente a herança escravocrata? O que foi feito do nosso orgulho naquele período luminoso?
Quem responde a essas perguntas são cabeças jovens formadas naquele tempo, reunidas por Filipe Galvon no média-metragem ENCANTADO – LE BRÉSIL DÉSENCHANTÉ. O filme estreou na TV Sénat francesa no sábado, 29 de setembro. Exibições no Brasil dependem de consultas que estão sendo feitas pelo distribuidor internacional.
Galvon mora em Paris e integra o grupo MD18, criado em 2016 para informar à imprensa e à comunidade internacional o que realmente estava acontecendo no Brasil. Leia aqui o manifesto do grupo. Diversos vídeos de Filipe podem ser vistos neste canal do Vimeo.
ENCANTADO faz ecoar seu título por mais de um sentido. No mais abstrato, refere-se àquele sentimento que dominou o Brasil entre 2002 e 2013, até que as inquietações de parte da esquerda abrissem caminho para a tomada das ruas e das consciências pela nova direita. No sentido mais concreto, alude ao subúrbio carioca de Encantado, onde Filipe nasceu e ao qual retorna para tomar como um microcosmo do estado geral do país.
O modesto bairro do Encantado encerra alguns sintomas de degradação que afetam o Brasil de hoje, em especial o Rio de Janeiro: desleixo do poder público, escalada da violência urbana, reações de conservadorismo extremo, êxodo de moradores, casas arruinadas. Num roteiro coeso e muito bem estruturado, o filme relaciona esse quadro local com as grandes questões que abalaram o país nos últimos cinco anos.
A análise do que levou do encanto ao desencanto é feita por um coral de vozes que incluem jovens participantes do MD18 (alguns que voltaram para lutar no Brasil) e figuras de grande repercussão como Vladimir Safatle, Jandira Feghali, Gregório Duvivier, Carol Proner e três candidatos à presidência em 2018: Fernando Haddad, Ciro Gomes e Guilherme Boulos. Todos deram depoimentos diretos à equipe do filme. A própria Dilma Rousseff lhes deu uma entrevista exclusiva, em que discorre sobre as razões do golpe: a recusa a fazer certas reformas depois encaminhadas por Temer, a acusação de “gastança” estatal que retirava ganhos das elites.
Haddad lembra de sua desconfiança precoce com os movimentos de 2013, justamente pelo seu viés anti-estatal. Boulos aponta a “janela de oportunidades” que a direita aproveitou para impor o retrocesso após a queda do arranjo de governabilidade do governo Dilma. Ciro elogia Lula para, logo em seguida, criticá-lo, como tem sido do seu feitio. Safatle chama Temer de “um holograma”, que passou o governo a “uma junta financeira que tomou de assalto o país”.
O filme faz um resumo preciso, com reflexões e imagens altamente sintéticas, dos acontecimentos que levaram ao golpe contra Dilma, ao uso político da Lava Jato, à ascensão da direita evangélica e do bolsonarismo, à prisão de Lula e à morte de Marielle Franco. Poucas vezes as linhas de motivação e sequenciamento desses fatos foi tão bem exposta num ensaio sucinto. Em meros 56 minutos, ENCANTADO nos esclarece e emociona com a história de um país que, aparentemente, deixou passar sua grande chance de ser feliz.
Finalmente, Filipe Galvon reúne parentes e amigos para despedir-se da casa do Encantado, que a família está deixando para trás. O desencanto, porém, não deixa de ser temperado por uma pitada de esperança numa casa nova e num país reinventado.
O filósofo francês Alain Badiou, mais um dos entrevistados no filme, comenta como as oligarquias brasileiras retomaram o poder após o “parênteses horrível” (para elas) que foram os governos do PT. Mas retorna, perto do final, para ressalvar “a grande reserva de energia dos brasileiros”. E Dilma volta também com uma palavra de esperança: “Eles comprometeram o encantamento de hoje, mas não podem comprometer o encantamento do futuro”.
Resta lutar para que isso não nos demore muito a chegar.
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