EM CHAMAS
Numa cena determinante do coreano EM CHAMAS, a jovem Haemi faz uma pantomima como se descascasse e comesse uma laranja. E diz a Jongsu, amigo de infância reencontrado: “Não precisa ver a laranja. Basta esquecer que ela não está aqui”. Esse novo filme de Lee Chang-dong (do pouco poético Poesia) se ancora em sucessivos desaparecimentos, que o espectador deve preencher com sua imaginação. Ou simplesmente esquecer que certas coisas não são ditas nem mostradas.
Jongsu é um rapaz tímido e inexperiente que topa com Haemi e logo se apaixona. Haemi vai viajar para a África e pede que Jongsu tome conta do seu gato. Quando ela retorna, está ligada a Ben, moço rico e blasé que conheceu na Nigéria. O triângulo amoroso se rascunha, marcado pela diferença de classes.
Não se espere um desenvolvimento convencional desse núceo dramático, pois tudo é colocado em dúvida, assim como a existência da laranja. Haemi também desaparece, e o seu gato talvez não exista, da mesma forma que várias histórias que ela conta. Pode ser que nada do que vemos exista de fato, uma vez que Jongsu pretende escrever um romance e está à procura de um assunto.
O título do filme se refere a um estranho hobby de Ben, o de incendiar celeiros abandonados. Mais uma coisa, aliás, que pode ficar somente no plano da ficção-dentro-da-ficção. EM CHAMAS se baseia no conto Queimar Celeiros, de Haruki Murakami, mas pisca um olho também para o conto homônimo (Barn Burning), de William Faulkner, o escritor preferido de Jongsu.
A experiência é de desorientação. São muitas as reticências e os extravios da história. EM CHAMAS requer do espectador a disposição para abandonar expectativas convencionais e exigências de causa e efeito. A recompensa é uma viagem intrigante e sensual por cabecinhas insondáveis, cujo desfecho é surpreendentemente brutal.