SEM SEU SANGUE
Silvia (Luiza Kosovski) é uma menina branca, introvertida e tendente à depressão que encontra num novo colega de classe um horizonte de vitalidade convidativo. Artur (Juan Paiva) é negro, esportivo, misterioso e com pinta de outsider. Eles iniciam um romance sensual, mas marcado pelo fatalismo. Artur é hemofílico e não custará muito a morrer. Esse breve interlúdio, narrado em flashback, constitui a parte mais gratificante de Sem seu Sangue, longa de estreia da montadora e curta-metragista Alice Furtado.
Uma cena de sexo muito bem filmada, a beleza dos enquadramentos e o domínio dramático dos primeiros 40 minutos prometem um tratamento sensível do tema do luto numa idade em que as perdas calam mais fundo, especialmente em se tratando do primeiro amor. Mas quando os pais de Silvia (Silvia Buarque e Lourenço Mutarelli) resolvem levá-la para uma casa de veraneio numa ilha quase deserta, o filme sofre uma guinada de gênero que os talentos envolvidos não conseguirão sustentar.
A casa é cheia de signos fantasmagóricos, entre os quais vudu haitiano, danças indianas e rituais de sacrifício e de possessão. A mistura é bastante aleatória, e vem junto com novos personagens transitando entre o nada e o menos ainda. Um deles, um francês dedicado à construção de objetos exóticos em madeira, é desempenhado pelo excelente ator Nahuel Pérez Biscayart (120 Batimentos por Minuto, Nos Vemos no Paraíso), que não encontra no papel a menor chance de demonstrar suas qualidades.
Na obsessão de Silvia em não aceitar a morte do seu amado, o filme acaba perdendo o tônus inicial e se diluindo ora em diálogos macambúzios, ora em insistentes tomadas do mar. Resta o estereótipo da mulher bruxa disposta a trazer de volta o amor perdido, nem que seja na forma de zumbi. O impacto do desfecho não é maior do que o da filmagem de uma endoscopia, a forma mais eficaz encontrada para investigar o que se passa por dentro de Silvia.