Festival do Rio: “Cora”

Recomendo a quem for ao festival algumas medidas essenciais: lembre-se de levar o seu comprovante de vacinação, que pode ser o certificado digital do ConecteSUS ou o comprovante em papel. Sem isso, a entrada nos cinemas não será permitida. Chegue de máscara e mantenha-a cobrindo o nariz e a boca durante todo o filme. Procure guardar o maior distanciamento possível entre as poltronas ocupadas.

A investigação familiar a partir de vestígios audiovisuais tem sido frequente no documentário contemporâneo. Cora faz uso disso para construir uma ficção que simula um documentário. A personagem-título é uma bióloga dinamarquesa que, após a morte do pai brasileiro, Benjamin, descobre os materiais de um documentário que ele fazia sobre o seu próprio pai, Teodoro. Sem jamais aparecer na tela, Cora comenta o conteúdo do HD encontrado, composto de entrevistas e um vasto acervo de imagens domésticas e de animais marinhos coletadas por Benjamin.

Para Cora, não parece haver interesse – ou possibilidade – em formar uma narrativa linear da história daquela família, mas apenas levantar episódios e tentar compreender uma linhagem da qual ela se sente completamente alienada. Fala-se de um crime, de um filho morto e de um estranho casamento de Teodoro com uma ex-mulher do seu pai (portanto bisavô de Cora). O enlouquecimento é o traço comum entre Benjamin e Teodoro. O nascimento de Cora teria coincidido com a morte da avó, provocando mais uma das queixas e ressentimentos que afloram aqui e ali. A tragédia ambiental de Mariana é citada como possível metáfora da desintegração da família e quiçá do país. Afinal, Cora está manuseando o material no ano de 2064, quando talvez o Brasil, do jeito que as coisa andam, nem exista mais.

Essa ampla disfunção se materializa agora na deterioração dos arquivos digitais. Todas as imagens e sons estão afetados pela pixelização e a perda de sinais. Os diretores Gustavo Rosa de Moura e Matias Mariani submeteram as cenas de Super 8 e vídeo à simulação de uma série de defeitos eletrônicos, que funcionam como ruídos na impossível recomposição do próprio tecido social da família. Cora lamenta se ver como alguém formada não por genes, mas por pixels.

Cora é apresentado como um filme-resposta ao romance Antonio, de Beatriz Bracher, mãe de Matias Mariani. O experimento não deixa de ser curioso e envolve a convincente atuação de alguns atores, com destaque para Fabio Marques Miguez como um amigo de Benjamin e a veneranda Vera Valdez num leito de hospital. Ainda assim, o filme me soou distante e pouco estimulante como apreensão de uma saga familiar. A moldura futurista tampouco acrescenta algum sentido perceptível a essa ruminação digital.

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