Mais uma perda inestimável atinge o cinema brasileiro neste ano fatídico. Hoje pela manhã faleceu, vítima de infarto, o diretor, montador e professor de cinema Ricardo Miranda. Apurei que ele havia recebido ontem a notícia de sua demissão da TV Brasil, onde coordenava a equipe responsável pela confecção de interprogramas. Não quero fazer ilações entre uma coisa e outra, mas algum impacto isso deve ter causado em seu metabolismo.

No set de “Paixão e Virtude”. Comentário postado por Ricardo no Facebook, dirigindo-se à fotógrafa Duda Las Casas: “Duda … adoro esta foto/ sou eu totalmente/ uma pessoa que detesta a burrice e os idiotas da desinformação/ que procura fazer sabendo o que faz e navega pela trilha aberta do conhecimento e do afeto…. isto tudo está na foto!”
Ricardo Miranda entrou no cinema pela moviola e, a partir de 1969, estabeleceu-se como um dos montadores preferidos daquilo que Jairo Ferreira chamava de “cinema de invenção”. Glauber Rocha o chamou para dar a forma final de A Idade da Terra. Arthur Omar dividiu com ele o último corte de boa parte de sua obra. Ele montou, ainda, filmes de Saraceni, Ivan Cardoso, David Neves e Vladimir Carvalho. Mais recentemente, editou O Romance do Vaqueiro Voador, de Manfredo Caldas, os docs extras dos DVDs de Terra em Transe, A Idade da Terra e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, o longa documental de César Oiticica sobre Hélio e ainda três docs de Denis Wright sobre a Guerra do Paraguai. Para Helena Ignez, montou A Canção de Baal e fez o sofisticado desenho de som de Luz nas Trevas, a retomada do personagem de O Bandido da Luz Vermelha.
Como diretor, Ricardo Miranda tem obra de exceção dentro do cinema brasileiro, dotada de forte marca autoral e ambição antropológica. Nela destacam-se a ficção Assim na Tela como no Céu (em que o inferno aparecia equipado com ilhas de edição!), e docs sobre artistas (Mojica, A Passagem do Olhar, Câmara Cascudo, Gilbertianas), críticos de cinema (O Presidente do Mundo, sobre Almeida Salles, e Território Crítico, sobre Jean-Claude Bernardet) e o povo brasileiro (Descobrir). Djalioh e o inédito Paixão e Virtude são dois filmes pensados a partir de obras de Gustave Flaubert.
Os alunos da cadeira de montagem da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio, beneficiavam-se regularmente das suas lições de ousadia.
Aproveitando que está em cartaz a Mostra Faróis do Cinema, reproduzo aqui os filmes-faróis do Ricardo e seus respectivos comentários, colhidos em 2007 e ampliados em 2011.
“Sem ordem, sem documento, sem saber como me vieram os dez filmes. Filmes cabeceira. Filmes que vejo e revejo, e sempre rompem minha emoção. Filmes em que penso na hora de pensar cinema:
1. Três Cantos para Lenin – É o filme em que Dziga Vertov põe em prática teorias produzidas desde os anos 1920, com total emoção. Fico extasiado cada vez que assisto.
2. O Velho e o Novo (A Linha Geral) – Os filmes de Eisenstein são filmes de cabeceira. Este não paro de ver e rever. A sequência da procissão transcende as teorias construtivistas do cinema.
3. Uma Visita ao Louvre, de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub – Impressões do pintor Cézanne sobre algumas das principais obras de arte do Museu do Louvre. Enquadramentos rigorosos e precisos vibram com cores e formas da pintura. Um filme de palavras. Extraordinário.
4. A Pedra da Riqueza – O filme mais equilibrado entre o particular e a grande metáfora. Quando assisti registrei e nunca mais me esqueci deste documentário do Vladimir Carvalho.
5. Crônica de Anna Magdalena Bach – Fenomenal filme de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub. Citando Straub, “uma das tarefas é achar imagens que não bloqueiem a imaginação do espectador”.
6. O Leão de Sete Cabeças – Extraordinário filme de Glauber Rocha. Aqui Glauber engendra “um incêndio simbólico para fazer a libertação brotar das cinzas do ícone deposto.”
7. Mal dos Trópicos, de Apichatpong Weerasethakul – Narrativa única municiada por estranha mitologia da Tailândia. Tradição/invenção; lenda/fato; sensação/história.
8. Medeia, de Pier Paolo Pasolini – Ritos, beleza, cinema. Instintos, paixões e sentimentos. Um filme que te acompanha no dia após dia.
9. Di-Glauber – Pequeno, grande, enorme, fundamental filme.
10. Número Dois, de Jean-Luc Godard – Godard após os experimentos do Groupe Dziga Vertov. Cotidiano e sexualidade. Ver revendo. ReveЯ.
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Parceiro na aventura de pensar e fazer cinema. Ricardo Miranda deixa um vazio na construção do melhor cinema brasileiro.
o filme sobre Luis Rosenberg é um grande encontro de 2duassensibilidades
Comovo-me até as lágrimas. A morte de Ricardo foi como a de um irmão a quem muito devo pela inestimável colaboração no meu trabalho. Será um vácuo lamentável no cinema brasileiro, para o qual tanto contribuiu com seu talento e originalidade. Vladimir Carvalho
Um dos professores que mais admirava! Saudade e orgulho de suas aulas!!!
Foi uma honra ter sido sua aluna, obrigada Ricardo. Muito triste.
Amigo e professor, Ricardo Miranda, O lugar que te recebe hoje, é onde mora a magia, o encanto, a sensibilidade das artes, a qual experimentou um pouquinho delas aqui!! Siga seu outro caminho em paz. Aqui deixou muitos amigos, iluminados pela sua luz!! Cristino Wapichana!
reconhecimento pelo seu trabalho na surdina em beneficio do nosso cinema.
Que merda, Carlinhos!
Date: Fri, 28 Mar 2014 14:36:14 +0000 To: valvillela@hotmail.com