INSTINTO MATERNO, o filme que ganhou Berlim e representou a Romênia na corrida ao Oscar, examina o choque de classes na era pós-comunista através de um acidente em que um filho da elite atropela e mata um menino pobre. Mas o eixo da observação é deslocado para a relação entre o motorista e sua mãe, uma socialite a quem ele não tolera. Um melodrama seco corta o ar em fatias. Diálogos magistrais ditos por atores excepcionais, com destaque para a mais impressionante conversa que já vi entre uma mulher e sua nora indesejada. A câmera inquieta tem algo de Lars Von Trier, enquanto o naturalismo radical é completamente romeno mesmo. Romena também é a fixação dos personagens e do filme nos detalhes da burocracia, dos procedimentos policiais e até de um mero exame de sangue. Uma curiosidade: o filme parece armar uma denúncia da corrupção que favorece os mais ricos, mas acaba pendendo para o drama familiar e concentrando-se numa parábola sobre a dor materna e a compaixão humana, que pairam acima das diferenças sociais. O filme está em cartaz exclusivamente no hoje indispensável Cine Joia.
Curto, simples, denso e emocionante, FILHA DISTANTE (Días de Pesca) é mais uma história mínima de Carlos Sorin, contada com a precisão minuciosa de um decorador de cabeças de alfinete. Um homem vai à Patagônia para mudar de ares e procurar a filha que há muito não vê. Parece tão despreparado para a vida quanto um pescador que sai à caça de tubarões levando um molinete de pescar anchovas. Pouco sabemos sobre seu passado familiar além do estritamente necessário para compreendermos a importância de uma reconciliação. Sorin dribla o melodrama recorrendo ao silêncio, aos olhares prenhes de sentido, e espelhando os dilemas de Marco (Alejandro Awada, perfeito) nos personagens com que ele interage no percurso. O pai da boxeadora, o guia de pesca, os estradeiros colombianos, cada qual tem um “recado” sutil para Marco, sem que nada seja explicitado demais. O que para alguns pode soar como um final feliz, a meu ver, nada mais é que um consolo precário, como ocorre quando, na ausência do amor, precisamos nos confortar com a compaixão. Correndo com seus road movies afetivos à margem do mainstream, Sorin é talvez o mais regular e extraordinário diretor argentino contemporâneo.
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Gosto de ambos os filmes, sem maior entusiasmo. Mas o lançamento meio obscuro de ambos é absurdo mesmo!
“Filha Distante” nem está tão obscuro assim, já que se encontra em cartaz em salas de Botafogo, Gávea e Barra. Mas ambos dependem muito da crítica e do boca-a-boca para ganharem o público merecido.
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