Se “Aquarius” fosse um western e se passasse no pampa gaúcho em lugar de Recife, talvez esse filme fosse RIFLE, segundo longa de Davi Pretto. Trata-se, aqui também, de uma resistência solitária às investidas da especulação imobiliária, mesmo contra o oferecimento de vantagens pecuniárias. Como o filme estrelado por Sonia Braga, RIFLE é também um estudo de personagem dentro de certa paisagem. Mas aí é que começam as grandes diferenças.
Dione (Dione Avila de Oliveira, recrutado no local para atuar) é rapaz órfão que vive com uma família camponesa perto da fronteira do Uruguai. A primeira demonstração de interesse do capital nas terras onde ele mora já lhe desperta a semente de uma fúria a ser canalizada posteriormente com o rifle. Aos poucos, verificamos que seu antagonismo se dirige, para além dos especuladores, a tudo aquilo que para ele representa um mundo rico, moderno e predador, do qual se sente radicalmente apartado. Os carros são os ícones da invasão, enquanto o rifle sintetiza o eixo singular de uma vingança.
O filme desenvolve essa equação com um controle impressionante de atmosfera visual e auditiva, explorando a horizontalidade do pampa em long shots imersivos e colocando as sonoridades do lugar a serviço da caracterização emocional de Dione. À medida que o vingador abre seu foco e se lança no aleatório, a alça de mira assume o ponto de vista dominante e o ruído dos tiros ribomba de maneira apocalíptica. Não me lembro de já ter sentido tanto suspense ante uma arma prestes a disparar.
Davi Pretto vem de uma pequena consagração com seu semidocumentário “Castanha”, sobre um ator e transformista acossado pela solidão e os impasses da vida. Achei esse filme superestimado, mas RIFLE me deixou boquiaberto, na certeza de estar diante de um cineasta poderoso. Chamam atenção os agradecimentos nos créditos finais a John Ford e Abbas Kiarostami. Imaginar um filme que faça convergir essas duas vertentes é uma boa maneira de se aproximar de RIFLE.