A FERA NA SELVA
Há uma certa ousadia nessa adaptação da novela A FERA NA SELVA, de Henry James, para uma pequena cidade brasileira. A ousadia consiste justamente em arriscar-se a parecer anacrônico. Paulo Betti e Eliane Giardini, com codireção de Lauro Escorel, lançaram-se na estranha aventura de fazer um filme sobre abstrações existenciais, conservando tanto quanto possível a dicção literária do original de 1903.
Este é um projeto caro ao ex-casal, que já levou o texto ao teatro na década de 1990. Eles impressionam no papel de João e Maria, dois professores que se reencontram dez anos depois de um episódio fortuito e passam a viver uma relação platônica até a velhice. A novela de Henry James é um pequeno estudo da inação e da passividade perante a vida, forjadas pela expectativa de um destino. João e Maria são dois solitários. Ele se acha predestinado a viver algo “prodigioso ou terrível” e, em nome disso, nada faz além de esperar. Ela assume o vazio dele e se dispõe a acompanhá-lo. Trata-se da convivência de duas formas de renúncia.
Uma das boas intervenções dos roteiristas foi citar Aqui e Agora, de Gilberto Gil, como o link entre aquelas duas almas perdidas. O egoismo de João o impede de perceber que já está “no melhor lugar do mundo”.
Eliane Giardini traz uma densidade notável para sua personagem, enquanto Paulo Betti oferece menos resistência à empostação literária de suas falas. A produção é muito bem cuidada, com uma fotografia primorosa de Lauro Escorel e montagem elegante de Eduardo Escorel. Enfrenta, porém, a relativa aridez de um texto mais apto à leitura que à transposição para a cena.
Nos melhores momentos, quando as locações atuam em primeiro plano, pode lembrar O Ano Passado em Marienbad. Eventualmente, sugere enigmas de Raul Ruiz. Mas a ousadia acaba revertendo em desfavor do filme pelo sabor antiquado e a dificuldade de dar concretude a uma trama digressiva e especulativa.