Docs do Prêmio Fenix 2016 – Parte 2

Hoje comento sobre três ótimos filmes finalistas do Prêmio Fenix dirigidos por mulheres. Por preferência ou coincidência, todos envolvem assuntos familiares. Junto com o vencedor Tempestad, de Tatiana Huezo, eles deixam patente a força do feminino no documentário iberoamericano contemporâneo.

MEMORIES OF A PENITENT HEART, de Cecilia Aldarondo  (Porto Rico, 2016)

“Se só recordarmos as boas coisas sobre as pessoas que amamos, o que estaremos perdendo?”. Com essa pergunta iniciando a narração em primeira pessoa, Cecilia investiga a vida oculta de seu tio Miguel Dieppa, que morreu jovem de Aids nos anos 1980, quando ela tinha seis anos de idade.

Porto Rico é “um país esquizofrênico”, dividido entre o desejo de modernidade (EUA) e o atavismo conservador e religioso de província latino-americana. A história de Miguel e sua família é apresentada como um sintoma disso.

Miguel lutava em sua consciência contra a tentação da vida gay. Travava uma guerra moral secreta com a irmã (mãe de Cecilia) e a mãe, esta uma beata portorriquenha típica. De dia, ele era homofóbico, à noite frequentava bares gays. Ao mudar-se para fazer teatro em Nova York, adotou oficialmente o nome de Michael. Pouco antes de morrer, abriu o jogo para a família e se disse arrependido.

Cecilia descobre o paradeiro do homem que foi companheiro do tio durante 12 anos, um misterioso “Robert”. Ele é o Padre Aquin, que havia largado a batina antes de namorar Michael e retomou depois da morte dele. Aquin mostra a ela uma caixa com papéis e recordações da sua vida com Michael.

Cecilia descobre ainda que o pai de Miguel, seu tio-avô, era gay enrustido que também frequentava bares, adorava filmes musicais e chorava sem parar diante de Brokeback Mountain.

Toda essa história é desvendada em meio a muitas referências religiosas (promessas, cantos, imagens), na forma de um ensaio sobre os dilemas da consciência portorriquenha. Cecilia interroga com frequência “who are you angry at?” e quer tirar o véu de sobre esse incômodo da família. Inclusive do fato de sua mãe ter colaborado para o sofrimento do irmão Miguel.

Filme muito bem realizado, com ótima trilha, fotografia e montagem.


LOS OFENDIDOS, de Marcela Zamora Chamorro   (El Salvador, 2016)

Marcela faz um filme sobre seu pai, Rubén Zamora, professor de Ciências Políticas, ativista católico de centro-esquerda e ex-candidato à presidência de El Salvador. A partir da história do pai durante a guerra civil dos anos 1980, quando foi preso e torturado durante 33 dias, Marcela investiga outros que também foram submetidos a horríveis torturas nos porões do governo militar. Uma mulher foi torturada grávida e perdeu o bebê. Outro, médico, narra sevícias bárbaras. Outro ainda é hoje diretor do Centro de Memória Histórica.

Marcela visita locais de tortura, apresenta arquivos da repressão e de massacres, mostra o chefão da tortura, General Casanova. Interroga um torturador (hoje homem religioso) com rosto escondido por um pano, que conta detalhes das suas ações.

Por duas vezes, Marcela chora: ao ouvir o depoimento emocionado do médico e a leitura de um poema por seu pai, a quem devota grande admiração.

Discute-se a amplitude da anistia pela Comissão da Verdade salvadorenha: deve-se perdoar os torturadores e assassinos de farda ou deve-se encontrar um meio termo entre perdão e punição exemplar?

Filme forte, valorizado pelo empenho discreto mas emocionado da diretora.


NANA, de Tatiana Fernández Geara (República Dominicana, 2016)

O título engana. É sobre empregadas, mas principalmente sobre amor de mãe. Três casos de empregadas que se afeiçoaram aos filhos dos patrões tanto ou mais que a seus próprios filhos, que vivem afastados. Todas tiveram gravidez precoce, e os filhos vivem com avó ou tia distantes.

O filme se divide em quatro partes:

A Separação – cada vez que a nana vai visitar seus próprios filhos, morre de saudade da filha da patroa. A mãe fez o mesmo com ela, separou-se cedo para trabalhar. O ciclo se perpetua através das gerações.

A Distância – empregada dominicana em Miami há 10 anos não vê os filhos adolescentes, que vivem com a tia, a quem amam como mãe.

A Partida – a empregada não desfrutou a infância dos seus três filhos, mas no lugar disso desfrutou a de Katherine, filha de ex-patroa. A separação foi horrível para as duas. Ouvimos Katherine, moça, chorar lembrando disso. Nunca teve outro amor de “mãe” como o dela.

A Visita – a empregada da terceira parte visita sua mãe e filhos na roça. A velha criou quase 30 netos e vê todos partirem, ficando sozinha e triste.

As cenas de cotidiano são pontuadas por entrevistas com a diretora. O filme consegue comover com esses casos arquetípicos de amores maternais sublimados e transferidos, ou pelo menos partilhados.

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