Da Grécia à ilha da fantasia

ME CHAME PELO SEU NOME, o filme gay do ano e queridinho do circuito internacional, é basicamente uma história de repressão sexual disfarçada de romance. Mais de um personagem do filme de Luca Guadagnino compartilham o recalque da homossexualidade em benefício de uma ordem mais “natural” na vida amorosa.

Grande parte dos 132 minutos se passam na tortuosa e hesitante aproximação de Elio e Oliver, como ilustrado pela canção “Words” (don’t come easy), inserida na eclética trilha sonora. Afnal, estamos em 1983, quando ainda não era muito fácil sair do armário até para si mesmo. Mas é justamente em função da época que o filme se mostra gratuito e implausível.

Para que a idealização daquele mundo gentil seja possível, a história se circunscreve a uma espécie de redoma, na quase erma cidadezinha do Norte da Itália (filmada em Cremona). Notícias políticas na TV são a única interferência naquele mundinho idílico e sem conflitos, a não ser os íntimos do garoto Elio. Ao contrário da norma habitual, os pais do menino o estimulam a assumir sua “mais que amizade” com o rapaz bonitão hospedado em sua casa.

Essa ilha da fantasia empoada de charme e gentilezas, onde as mulheres não têm direito sequer a existir como personagens, pretende evocar o homoerotismo grego, apenas invertendo os papéis. Elio, o garoto, seria o “erastés” (amante) e Oliver, o “eromeno” (amado). A referência é posta logo nos créditos de abertura com a estatuária helênica e reiterada com o resgate de uma estátua da Antiguidade.

A Arqueologia é somente uma das várias disciplinas ostentadas pelos personagens em diálogos pomposos e artificiais. Todos são eruditos, poliglotas e pedantes. Música, Literatura, Filosofia, Etimologia e História são objetos de citações fugidias com pretensões metafóricas. Os egos narcísicos, cultivados em falas, gestos e posturas, desabrocham na cena que dá título ao filme, quando chamar o outro pelo próprio nome dá a medida do amor a si mesmo.

De tudo, porém, o que mais me decepcionou foi a manipulação de uma cultura e um modo de vida europeus “for export”, baseados em chavões de beleza, sensualidade e erudição. Com incômoda frequência eu me senti diante de um grande comercial de moda informal-chique, desses rodados em paisagens bonitas e relaxantes, com destaque para os shortinhos folgados de onde sempre pode despontar um passarinho. Armie Hammer, como o hóspede americano Oliver, é particularmente instrumentalizado como um modelo irresistível de griffe masculina sempre a ponto de retirar mais uma peça (o que não acontece, pois a câmera se desvia na hora H).

Já que ninguém mais apresenta estofo humano considerável, é Timothée Chalamet que dá consistência mínima ao enredo. Vivendo um Elio dividido entre o tédio, o tesão e o temor, o jovem ator imprime veracidade e complexidade a seu papel. Ele é ótimo, mas não basta para justificar tanto entusiasmo por um filme postiço e, no fundo, desmobilizador da sexualidade feliz.

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