Sobre o drama PELA JANELA, o documentário SAUDADE e o curta CAPITAL DA FÉ
Existe uma grande diferença entre o minimalismo e a inanição. PELA JANELA é um pequeno drama psicossocial que tenta se resolver com pouquíssimos elementos. Uma operária exemplar, após 30 anos de serviços prestados numa fábrica da periferia de São Paulo, é demitida e entra em crise depressiva. Para reanimá-la, seu irmão a leva numa viagem de carro até Buenos Aires.
Boa parte das cenas é consumida na descrição de rotinas miúdas do dia-a-dia ou da viagem. No percurso, de maneira extremamente previsível, Rosália aos poucos volta a se interessar pela vida, a sorrir e a até a cometer um talvez inédito ato de transgressão . Cada encontro ou parada do trajeto acrescenta um tijolinho ao seu reerguimento. Não faltam metáforas de renovação com as águas das Cataratas de Iguaçu e de um banho ritualístico de chuveiro.
O filme de estreia de Caroline Leon tem as melhores intenções. Menciona o desamparo do trabalhador nos dias atuais e a distância crescente entre empregados e patrões. Procura traçar o retrato de uma mulher simples, que quase não fala e parece agir somente como resposta ao que ocorre a sua volta. Situa o carinho da família (o irmão) e a solidariedade dos desconhecidos como um suporte fundamental para a sobrevivência do espírito. Magali Biff, mesmo no pouco que a personagem lhe oferece, consegue desenhar uma discreta e equilibrada gradação.
No entanto, o filme sofre com uma visão muito ingênua das situações, beirando sempre o terreno da auto-ajuda e o sentimentalismo dos “filmes para a terceira idade”. O road movie transpira improvisação amadora e as intencionalidades ficam claras demais. A dramaturgia rala empalidece o resultado, mostrando que, ao contrário do minimalismo, nem sempre o menos é mais.
SAUDADE é um documentário sobre um sentimento. Documentários sobre coisas abstratas assim precisam ser muito criativos para ultrapassar a mera sucessão de falas sobre o assunto. “Janela da Alma”, por exemplo, conseguiu ao mostrar vivências singulares (como a do fotógrafo cego Evgeni Bavcar) ao lado de considerações extraordinárias sobre a visão e a falta dela. SAUDADE tenta ser criativo de outra maneira, ou seja, perseguindo imagens evocativas como o mar, lugares remotos, janela de trem, etc. Ou pontuando os depoimentos com poemas e músicas alusivas ao tema. A mim, pareceu pouco.
O que faz falta – um tipo de saudade do que nunca se teve – são justamente as vivências. Em vez de vítimas da saudade (lembro-me de apenas uma mãe que fala do filho morto), temos artistas e escritores tecendo reflexões sobre essa dor particular. Alguns falam com propriedade e levantam questões interessantes ou bem-humoradas, como a crítica à romantização da saudade e o que seria o “lado bom” da dita cuja. Mas em grande parte se discorre sobre aspectos bastante conhecidos, como a fama de saudosos dos portugueses ou o fato de a palavra “saudade” não ter tradução para outras línguas. Essa, aliás, é uma afirmação muito discutível, uma vez que o sentimento é universal e existem palavras correspondentes em todas as línguas mais conhecidas.
A “conversa virtual” promovida pelo filme entre artistas do Brasil, de Portugal e de Angola às vezes deriva para a simples relação das pessoas com o seu passado ou com o futuro e a morte. Fica a impressão de um mosaico um tanto dispersivo, em que o valor cultural de cada entrevistado pesa mais do que a relação direta e vital de cada um com a saudade. Assim mesmo, o filme de Paulo Caldas desperta interesse razoável pela beleza plástica (fotografia de Pedro Sotero) e pela insinuação de que esse sentimento é mais plural do que se imagina. Talvez por isso, os portugueses se refiram a ele no plural: saudades.
Há tempos eu estou para escrever sobre o curta CAPITAL DA FÉ, de Gabriel Santos e Renan Silbar, que versa sobre a capitalização e a politização das igrejas evangélicas. Fiquei muito impressionado com as cenas e as informações que eles captaram, em muito superiores ao que se espera de um TCC universitário. O filme é de 2013, mas desde então só fez ganhar em atualidade.
As primeiras cenas mostram a espetacularização dos cultos através de shows coreográficos, marchas grandiosas, trio elétrico e até lutas corporais violentíssimas. Em seguida, estudiosos e oponentes dessa nova forma de evangelização comentam o advento do marketing religioso agressivo, a adesão a práticas capitalistas e o projeto de dominação da política brasileira pela hoje chamada bancada da Bíblia.
As cenas de coleta de dízimo, inclusive com máquinas de cartão de crédito, são espantosas, assim como o dimensionamento do patrimônio financeiro das igrejas, onde o dinheiro dos fiéis é somente uma fachada para fluxos muito maiores vindos de verbas públicas, tráfico de drogas e outras, digamos, demonstrações de fé. Em contrapartida, vê-se o acolhimento de contingentes LGBT como uma virtude que falta a outras religiões.
Mesmo para quem acha que conhece bem o assunto, o curta de Gabriel e Renan certamente traz dados e evidências perturbadoras. Assista: