Um tipo de plano se repete em Praça Saens Peña como uma assinatura do filme: a câmera vasculha a rua pela janela de um apartamento, inicialmente simulando o olhar de alguém que não sabe bem o que procura. Apenas olha a rua. Num movimento lateral, sem corte, a câmera passa a enquadrar a pessoa que olha da janela. O que parecia ser um plano subjetivo vira objetivo, ou as duas coisas ao mesmo tempo. O foco está no bairro, a “Grande Tijuca”, na acepção orgulhosa do professor vivido por Chico Diaz; mas está também nas “pequenas expectativas” dos personagens, para usar a feliz expressão de Eduardo Escorel em seu artigo sobre o filme (que, atenção!, contém spoilers).
Vinícius Reis combina dois pontos-de-vista em seu primeiro filme de ficção (depois do bom doc A Cobra Fumou). De um lado, há o cronista documental, quase etnográfico, extravasado na figura de Paulo, candidato a entrar para o “outro mundo” dos escritores famosos. Um alter ego, quem sabe, do cineasta de carreira ainda modesta, mas confiante no seu taco, a quem só falta surgir a oportunidade certa para o grande salto. Praça Saens Peña ganhou os prêmios de direção, ator (Chico), atriz (Maria Padilha), atriz coadjuvante (Isabela Meirelles) e crítica no último Cine-PE. Paulo, por sua vez, “viaja” no convite para escrever um primeiro livro, justamente sobre sua paixão, a Tijuca. “Sabia que Tom Jobim morou na Tijuca antes de ir para Ipanema”?
De outro lado, Vinícius é o ficcionista interessado nas repercussões do que significa uma “oportunidade” na vida de pessoas tão comuns. Para Paulo, a satisfação intelectual e um alcance maior que o de seus artigos na internet. Para sua mulher, o sonho (apenas isso, o sonho mesmo) com um apartamento melhor. Para a filha, ao menos um computador a mais e um banda larga, porra. Mas, caramba, o que fazer com essa “oportunidade” quando ela traz também algumas surpresas para a harmonia familiar?
Praça Saens Peña tem esse jeito simples de quem abre uma janela para a praça, um tanto displicentemente, mas acaba entreouvindo coisas que não sabia, ou encontrando o inesperado.
O filme, de certa forma, é o livro que Paulo talvez não tenha conseguido escrever como queria. Enquanto seu editor lhe pede “informações”, ele gostaria de fazer uma poética do bairro e de seus moradores. Gostaria de falar da violência através de um morador de favela local, como também da história da Tijuca desde os tempos em que tudo aquilo eram chácaras e cafezais sem fim. O filme é a realização desses desejos. Em tom de chorinho, onde não falta um suave encantamento.
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Carlinhos, muito obrigado!
A janela que você destaca em seu texto é a mesma da onde eu via a Praça Saens Peña, no meio dos anos 1970, quando eu vinha passar as férias na casa de minha avó, que na época morava no décimo andar de um prédio da Gen Roca. Acho que o Praça Saens Peña começou a ser concebido naquela época…..
Abração,
Vinícius.