Nossa hora mais escura

Goulart e Gordon

Goulart e Gordon

João Goulart, personagem trágico da nossa história recente, está de volta em dois documentários. Ainda não vi Jango, de Paulo Fontenelle, premiado no Festival do Rio e que investiga a hipótese de o ex-presidente ter sido assassinado no âmbito da Operação Condor. Hoje entra em cartaz O Dia que Durou 21 Anos, já exibido por sua coprodutora, a TV Brasil. Este doc de Camilo Tavares, filho do jornalista e ex-preso político Flávio Tavares, corrobora em áudio e vídeo a tese de que o governo americano foi instrumental no golpe militar que tirou Jango do poder.

Qualquer estudante do primeiro ano de História sabe que os EUA não só fomentaram e apoiaram o golpe, como também zelaram pela manutenção da ditadura através de apoio financeiro e aulas de tortura, entre outros mimos. O que o filme faz é reunir evidências e expor algumas inéditas daquele processo. O áudio de conversas entre John Kennedy ou Lyndon Johnson e o então embaixador no Brasil Lincoln Gordon é um trunfo documental de primeira. Os depoimentos atuais do assessor direto de Gordon, Robert Bentley, em português surpreendentemente bom, valem por um toque de São Tomé para quem ainda tinha alguma dúvida a respeito da desfaçatez com que tudo foi feito. 

As informações que o filme consolida cobrem não só a preparação do golpe – o alarmismo visava evitar que o Brasil se transformasse numa nova Cuba ou numa nova China -, como também a presença maciça dos americanos nas instituições brasileiras, verdadeira tutela, durante os primeiros anos do regime fardado. A forma como o governo americano instrumentalizou os braços da oposição a Jango através de decisões tomadas em telefonemas, telegramas e memorandos, na chamada Operação Brother Sam, equivale a uma intervenção de guerra branca. 

O doc também deixa clara uma curva dramática muito frequente entre apoiadores do golpe de 64: o argumento de que não era para ser assim. Bentley, por exemplo, fala do desencanto vivido em Washington com os rumos da ditadura, os atos institucionais, a tortura. O general Newton Cruz chega a condenar os rumos do regime com tal veemência que não sei por que não o chamaram ainda para a Comissão da Verdade (risos, por favor).

O Dia que Durou 21 Anos tem seu interesse pelo aspecto intrinsecamente documental, mas não chega a ser um filme marcante. O uso que faz do material de arquivo é apenas funcional e bastante convencional. Algumas imprecisões nas legendas em português revelam ou certo descuido, ou quem sabe pequenas manipulações para efeito de ênfase. Outro exemplo que me chamou a atenção foi uma carta de Lincoln Gordon de 1964 inserida quando a cronologia se encontra em 1968. Quando se trata de documentos da História, a meu ver, o respeito às fontes deve importar mais que a construção de uma narrativa.     

3 comentários sobre “Nossa hora mais escura

  1. Pingback: Os “amigos” americanos | carmattos

  2. Fiquei curiosos, mas não chega às salas aqui no sertão.Só são exibidos aí no sul maravilha,um absurdo.Aqui tem dezenas de lojas de cds piratas,,e o povo compra,claro.

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