Pílulas 36

BLING RING pode ser visto como um filme fútil, reprodução quase documental dos roubos de celebridades feitos pela gang de adolescentes entre 2008 e 2009. Algumas filmagens foram até feitas nas casas autênticas, como a de Paris Hilton, bastante devassada pelas câmeras. Mas o filme é também um estudo de certo estilo de vida feito de hedonismo, narcisismo, consumismo, fetichismo e mais alguns ismos que a gente pode lembrar. Eis um mundo onde não existem necessidades, mas só impulsos e mitificações, esbanjamento e irreflexão. A medida de tudo, inclusive da inocência da quadrilha, é a exposição narcísica. Eles roubavam para mostrar no Facebook. A personagem mais interessante, vivida pela gatinha Emma Watson, e sua família são a imagem mais aguda dessa síndrome, tentando aproveitar todas as oportunidades e motivos para exercer sua vaidade doentia. Indo mais além, encontramos Paris Hilton cedendo sua casa e sua posição de vítima como mais uma janela de exibição. A espiral não tem fim.
Na plateia do cinema, durante os créditos finais, três garotas combinavam o que fazer ao sair dali. Entre as várias sugestões, uma se destacou em síntese digna de rede social: “Partiu roubar a casa da Glória Pires”.

Sem levar em conta a data constante do título, duas senhorinhas reclamavam após a sessão de CAMILLE CLAUDEL 1915: “O filme é bom, mas pra quem não conhece a obra dela, vai parecer que é somente uma interna do hospício”, disse uma. “Falta cultura a esse diretor”, diagnosticou a outra.
Bem, o “inculto” Bruno Dumont fez uma obra de extrema concisão temporal e dramática, que situa Camille e seu irmão Paul como antípodas numa sociedade marcada pela intolerância ao diferente. Longos monólogos e closes de profundo escrutínio da alma dos dois personagens dão conta do estilo seco e comedido de Dumont, assim como do enorme talento de Juliette Binoche para expressar minúcias de emoção. Mas o que mais me interessou no filme foi ver a diferença entre Camille e os demais internos (reais). Mesmo na dita loucura, a artista se destaca pela atitude resoluta, a independência, a capacidade de observar, a maneira de conduzir o corpo. Isso não só exprime a sanidade oprimida de Camille, mas também reforça uma representação clássica do artista como alguém especial. O protagonismo de Camille ofusca, em alguma medida, o que teria sido sua realidade no asilo.

Talvez seja preconceito dizer que o doc SORRIA, VOCÊ ESTÁ NA BARRA é a cara da Barra: plano, superficial, autocentrado, cafona. Melhor pensar que o filme de Izabel Jaguaribe simplesmente não faz jus à diversidade cultural daquela região. Destacar como moradores representativos a ex-miss Adalgisa Colombo, o pagodeiro Dudu Nobre e a apresentadora Adriana Bombom pode dizer muito sobre a Barra, mas não soma para um filme atraente. Não há um material de arquivo relevante sobre a expansão urbana, nem os ecos de memória que construíram uma certa mitologia sobre a Barra. O filme é inteiramente ocupado por um presente rasteiro, um mosaico de opiniões desencontradas para sugerir pontos de vista múltiplos e um design visual que ofende o bom gosto. Se a Barra sugeriu esse tratamento, então os preconceitos se justificam e estamos conversados.

Animado pelo entusiasmo do bonequinho conferido pelo Daniel Schenker, fui ver APENAS O VENTO. Uma pena, pois esse soturno filme húngaro não me engajou em nenhum momento. A eventual influência dos irmãos Dardenne se presta a um drama anêmico, repetitivo, com uma utilização irritante e frustrante do tempo real. Os personagens são maniqueístas e a vitimização dá o tom desde o início, deixando pouca margem para o espectador se mover. A obscuridade geral se agravou com a exibição escura e desbotada no Estação Rio. A coisa era tão séria que impedia qualquer relação do público com as imagens, chegando mesmo à indistinção das formas nas cenas menos iluminadas. Não duvido que minha impressão geral possa ter sido piorada por essa deficiência. Eu torcia para que os personagens falassem mais um pouquinho, pois teria ao menos as legendas para ver. Naquela sala, o filme deveria se chamar “Apenas as Legendas”. 

Um comentário sobre “Pílulas 36

  1. Carlos,

    O que você constatou sobre a qualidade da projeção de “Apenas o Vento” não é a primeira vez que acontece.Você deve saber,claro. O fotógrafo brasileiro Afonso Beato, de prestígio internacional, em entrevista recente, comentou a péssima qualidade de projeção que vigora nas salas no Brasil. Eu não generalizaria assim. Mas há nada que se possa fazer? Não seria o caso da ABRACCINE se manifestar? Dizem que a projeção digital no Festival de Cannes é ótima.

    Quando assisti “Camille Claudel 1915” na Mostra Varilux no Espaço Itaú de Cinema, a projeção foi ruim, com o agravante que odeio quando a janela é retangular, mas com vazios pretos embaixo, em cima e dos lados. Agora fico na dúvida se devo rever ou não, pois além dos problemas de projeção que possa ter, o filme é tristíssimo, ainda que tenha gostado muito.

    Quanto a “O protagonismo de Camille ofusca, em alguma medida, o que teria sido sua realidade no asilo.”, eu não concordo, pois é uma forma de se mostrar o quanto Camille era mesmo um peixe fora d’agua ali no manicômio, que não é um asilo. Pode ter tido distúrbios mentais que tinham que ser tratados de outra forma, com carinho da família e não ser internada num hospício. O que tende a acontecer quando ela não é salva nem pelo irmão poeta ( mas católico……) é um conformismo melancólico progressivo que acaba com o tempo levando-a à loucura mesmo. O fato dela nem esperar pela visita misericordiosa de Rodin, revela muito do caráter deste, apesar de sua genialidade como escultor.

    Seria muito interessante sabermos a visão do Luiz Fernando Gallego sobre o filme.
    Abs,
    Nelson

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