Na próxima quinta-feira, dia 16, completo 60 anos. Num passado não muito distante, esse marco me soava como algo extraordinário, uma espécie de passagem para a velhice. Hoje tenho impressão diferente. Por mais que o corpo acuse seus desgastes e a preguiça às vezes supere a disposição para fazer certas coisas, e mesmo o espírito prefira cada vez mais o silêncio à roda ruidosa do mundo, não me vejo como um pré-velho – apesar dos meus frequentes chistes com os amigos a respeito disso. A partir de quinta-feira vou poder entrar em filas de seniors e pagar meia entrada, esses privilégios concedidos a quem vai perdendo outros. Mas isso será certamente uma das poucas alterações que perceberei na minha vida de sexagenário.
Talvez por isso, e para sublinhar melhor esse rito de passagem, resolvi adotar um padrão de “vida inútil”.
O adjetivo inútil entra aqui sem maior radicalidade. Pretendo me tornar inútil para as demandas do ofício que me ocupa há 36 anos, o de crítico e pesquisador de cinema. Mesmo aqui, é preciso explicar direitinho. Há vários anos já me retirei do “mercado” da crítica, limitando-me a escrever sobre o que mais me interessa, geralmente em sites e blogs. Ainda assim, continuei impondo-me certas obrigações, sobretudo no acompanhamento da produção de documentários. De agora em diante, pretendo me libertar também disso, assim como das agendas de debates, palestras, júris, curadorias, etc. O término da minha atuação na revista Filme Cultura representou a conclusão de mais um ciclo na minha vida profissional.
Vou manter este blog no ar apenas como um espaço para eventualidades, caprichos e como escoadouro dos pequenos e despretensiosos comentários que seguirei fazendo nas redes sociais a respeito de filmes, livros, peças, viagens. Sem nenhum compromisso de abrangência ou regularidade.
Pretendo também publicar em livro uma seleção de textos meus sobre o cinema documental, na expectativa de dar um certo corpo a materiais dispersos em diversos veículos nos últimos 15 anos.
De resto, alguém pode perguntar: mas afinal, como você vai ocupar seu tempo? E eu responderei: fazendo tudo o que já devia ter feito para ter sido um melhor crítico e uma melhor pessoa. Ou seja, ver os grandes filmes que nunca vi, ler os grandes livros que nunca li, conhecer os grandes lugares que nunca conheci.
Se calhar, como dizem os portugueses, essa minha vida inútil (para o movimento cultural) vai acabar sendo a vida verdadeiramente útil para mim. Iniciá-la aos 60 anos pode parecer tardio, mas espero que não seja tarde demais.
❤
parabens pela trajetória, pelo sessentão, e que venha mais. Por favor, publique o livro “seleção de textos meus sobre o cinema documental”. Será inestimável e desde já o aguardo. Forte abraço.
É a maior verdade ! Tbm estou vivendo a melhor parte de minha vida depois dos 60 ! hehehehehehh
A vida comeca aos 60.
vai fundo, Carlinhos!
A crítica cinematográfica sai perdendo. Ainda lembro da sua matéria no início dos 80 (Sinais de Vida? No Pipoca Moderna?) com uma referência ao curta Teatro Maravilha que eu tinha acabado de concluir. Foi o texto que melhor contextualizou o filme.
Bem vindo ao clube dos seniors. É bem bom.
Lua, que boa surpresa reencontrá-lo aqui. Um grande abraço!
boa! começando sempre!
em breve contato para os Cahiers…
abração
Has llevado una vida admirable como crítico, pero creo que las grandes síntesis sobre el cine (por ejemplo: ¿qué relación hay entre el documental y la ficción?, ¿hacia dónde va la ficción audiovisual, mientras se debe definir moralmente la modernidad en medio del actual terremoto tecnológico?, ¿qué era, hace medio siglo o más, y qué es hoy un cine nacional exitoso?) se te van a empezar a ocurrir a partir de ahora. Lo anterior fue una preparación para lo que te va a empezar a ocurrir ahora. Así que te felicito!
Grato, Raúl. Detenemos la producción, pero no el pensamiento.
Recomendo-lhe ler ou reler O homem sem qualidade de Musil
Abç
José Umberto
Conheço uma adaptação teatral da Bia Lessa. O livro é um tijolaço maravilhoso que já está na minha fila de vida inútil. Abração, Zé.
Isso mesmo Carlinhos e tire uma soneca durante o dia, fomos criados ouvindo que não se pode dormir de dia, deformação da nossa geração .Quanto a diminuir as matérias do blog dou força, um pouco triste confesso, mas tem hora de dar um basta. Juro que não pedirei pra publicar isso e aquilo, rsrs. Parabéns antecipado.bj Paulinho
Carlinhos, logo agora que eu queria te falar sobre meu projeto de doc. mais querido… rs. Ok; em parte é verdade (sim, eu tenho um projeto muito especial, e que vc. vai adorar, mesmo à distância…); mas tb. é provocação, brincadeira… Todo rito de passagem é importante; que vc. encontre muita PAZ nessa tua nova fase de aparente inutilidade… Plantou bonito; agora colhe, amigo… Nunca é tarde demais; no fundo vc. sabe muito bem disso 😉
Para que não seja trade demais comece (re)vendo “Tarde Demais” do Wyler, rs rs rs