O filme é bom, mas o título brasileiro é de uma impropriedade obtusa. DOIS HOMENS CONTRA UMA CIDADE se justificava na primeira versão do filme, dirigida por José Giovanni em 1973, quando o ex-presidiário vivido por Alain Delon e o agente policial Jean Gabin se irmanavam na defesa do primeiro, que tentava construir uma vida digna depois de 18 anos na cadeia.
Nesse remake de Rachid Bouchareb, intitulado “Two Men in Town” e transferido da França para o Novo México, a agente é um mulher (Brenda Blethyn), o que traz novos matizes para o vínculo de identificação dela com o ex-detento (Forrest Whitaker). Os dois homens do título, então, passam a ser o prisioneiro em liberdade condicional e o xerife vivido por Harvey Keitel. Este último é um personagem complexo, um xerife humanista no que se refere à sorte dos imigrantes mexicanos clandestinos, mas intransigente quando se trata de admitir que o criminoso já cumpriu sua sentença.
A trama fatalista denuncia a impossibilidade de reinserção social enquanto o ódio persiste de parte a parte. O fato de que o homem saiu da prisão convertido ao islamismo, curiosamente, não lhe acrescenta grandes problemas numa área dos EUA que é multiétnica e multirreligiosa por excelência. O filme se desenvolve de maneira lenta e introspectiva, mas nunca perde o interesse, graças principalmente à qualidade do elenco. Whitaker, com seu jogo de corpo peculiar e uma sutileza magistral, merecia maior reconhecimento a mais essa magnetizante atuação.
Vinícius Coimbra tem disposição para lidar com personagens maiores que a vida e tramas de grande ressonância mítica. Depois da recente adaptação do “Matraga” de Guimarães Rosa, ele nos traz, em A FLORESTA QUE SE MOVE, uma versão de “Macbeth” adaptada à alta classe dos banqueiros. Uma história de ambição desmedida, assassinatos e fantasmagorias sangrentas de culpa, como bem se sabe, aqui abalando o reino financeiro de um país não identificado (mas com placas de carro de São Paulo).
Coimbra isola seus personagens numa espécie de realidade paralela, marcada por arquitetura e design de ponta, ausência de referências cotidianas e falas ligeiramente afetadas, como se tudo se passasse num castelo afastado de todo o resto. A ótima impressão que tive do seu trabalho em “Matraga” infelizmente não se repete nesse novo filme. Não ponho em discussão o seu domínio da mise-en-scène no que diz respeito aos espaços e às interpretações, mas o fato é que dessa vez ele avança por terreno minado e constrói relações um tanto óbvias. Não é fácil manter a dupla agenda de classicismo e contemporaneidade, especialmente quando é o caso de citar literalmente o texto de Shakespeare. Em vários momentos, a empreitada chega à borda do abismo, embora não cruze a perigosa linha.
Ana Paula Arosio faz uma Lady Macbeth devidamente sibilante, enquanto o restante do elenco se apoia na discrição. As imagens são vistosas e frias como uma escultura de gelo que não custou a se desfazer na minha lembrança.
Esqueça a seriedade épica de “O Resgate do Soldado Ryan” ou a pegada auto-ajuda-new-age de “Gravidade”. PERDIDO EM MARTE mostra como um filme de resgate pode ser ao mesmo tempo um libelo cívico, um elogio da amizade, uma ode ao conhecimento científico, um panegírico da colaboração multiétnica e também uma comédia sobre o primeiro plantador de batatas interplanetário da história do mundo.
Ridley Scott está a anos-luz da invenção de um “Blade Runner”, mas creio que este seja o seu melhor filme nos últimos 15 anos, pelo menos. A forma como ele combina o thriller, a ficção científica e o humor é coisa de mestre. O resto fica por conta do carisma de Matt Damon, aquele bom moço que tantas moças por aí gostariam não só de resgatar em Marte como de levar para suas casas.