↑ Rogério Sganzerla, Fernando Coni Campos e Cosme Alves Netto
Quando Aurélio Michiles lançou Tudo por Amor ao Cinema, eu procurei em vão por um livrinho que a viúva Glória Maria Barbosa organizou junto com Maria Luiza Tambellini em 1996, poucos meses depois da morte de Cosme Alves Netto. Intitulado Velhos Amigos, Novas Homenagens a Cosme Alves Netto, ele trazia uma série de pequenos textos, inclusive um meu. Só agora o encontrei nas minhas confusas estantes. Era assim:
A Moviola
Não privei tanto quanto gostaria da intimidade do Cosme. Mas nossos caminhos se cruzaram muitas vezes em torno das coisas de cinema. Aliás, era assim mesmo a vida do Cosme: sempre em torno das coisas de cinema. Ele próprio foi – usemos as palavras da maneira mais carinhosa – uma coisa de cinema.
Se cada um de nós fosse um segmento da cadeia que gera um filme, Cosme seria a montagem. Juntava duas coisas, criava um terceiro sentido. Aproximava, forjava elos, dava ritmo à aventura de se fazer, preservar, mostrar e pensar cinema. Tanto no Brasil quanto em toda a América Latina, e muitas vezes no antigo Leste europeu, ele cumpria esse raro papel de simplesmente tornar possível.
Não tinha a velocidade high-tech de um editor Avid. Estava mais para uma velha e boa moviola, daquelas que costuravam sem pressa, mas também sem fissuras. Atuava na cadência caprichosa das bailarinas de fumaça que se erguiam do seu Havana. A cubanidade, por sinal, cobria-lhe o peito por dentro e por fora, extravasando na guayabera, a camisa cubana que ele não trocava por nenhum Armani.
Em sua avaliação personalíssima, Cosme entendia que o melhor lugar do cinema nem sempre era sentado diante de uma tela. Muitas vezes preferia enroscar-se, como um gato de armazém, em suas latas de filme. Ou enfurnar-se nos seus castelos de papéis, desencavando pesquisas temáticas mirabolantes e lembranças de estrelas carnudas, como qualquer cinéfilo que se preze. Nos festivais, incensava os saguões com suas baforadas, lembrando mais um espião de Fritz Lang que um curador de cinemateca. Quando nada, pendurava-se ao telefone como Harold Lloyd no ponteiro do relógio, armando estrepolias que geralmente redundavam em cinema.
Convivi relativamente pouco com o Cosme. Mas nesse pouco vi um imenso amor pelo seu métier, uma dedicação que nunca soava como sacrifício, mas como o gesto natural de quem simplesmente caminha. A par de tanta intimidade, Cosme deixou de ser um trabalhador do cinema para se tornar um personagem. Agora deixou a vida para entrar, de guayabera e tudo, no éter eterno do cinema.
Carlinhos, realmente o Cosme é (era) um gato daqueles que andam em slow-motion, assenta-se por cima das pilhas de papéis, dos rolos de filmes, caminha por entre as linhas que interligam a paixão pelo cinema – TODOS, no sentido ecumênico. O livrinho publicado por Gloria & amigos do Cosme, foi uma espécie de bússola, ali encontrei, por exemplo, você…e foi por ti que descobri (entre outras coisas) a paixão do Cosme pela atriz cubana-mexicana Ninõn Sevilla.
E pelo seu filme ficamos sabendo de tantas outras coisas divertidas, comoventes e admiráveis a respeito da “Moviola”. Um abraço fraterno, Aurélio.