EU SOU CARLOS IMPERIAL
“Intelectual não come ninguém”, diz Imperial já na primeira cena desse perfil coletado por Ricardo Calil e Renato Terra. É uma declaração de princípios que ele levaria ao pé da letra numa vida de produtor musical, compositor, jornalista, cineasta, apresentador de TV e abatedor de “lebres” em escala industrial. O documentário reúne depoimentos alheios, entrevistas do próprio e cenas de arquivo para surfar na história de Carlos Imperial, o cafajeste careta.
Embora mostre Roberto Carlos reconhecendo sua dívida para com o “bicho” que o levou para a CBS no início da carreira e cite outras estrelas beneficiadas pela argúcia marqueteira de Imperial, o documentário se dedica principalmente a recolher casos de pilantragem em várias frentes: músicas roubadas, mentiras plantadas na imprensa, estratagemas em busca de sucesso, surubas, exploração de menores, mistificações políticas. Imperial foi talvez o primeiro cafajeste midiático brasileiro. Fez da mídia o seu circo particular, e de sua própria imagem um caleidoscópio de percepções contraditórias. Não é de estranhar que parceiros, amigos e mesmo parentes falem dele com um misto de admiração e repulsa, gratidão e queixa.
Mais que tudo, o filme descortina um mundo que praticamente não existe mais. Um mundo em que o machismo ostensivo era tolerado como graça moderninha, a fraude aceita como parte do sistema e a desonestidade podia até render elogios se viesse simpática e descontraída. De alguma forma, Imperial foi a cara do Rio numa certa época. Hoje e sempre, motivo de riso e de vergonha.
A SEGUNDA ESPOSA
Filmes como “Cinco Graças” e A SEGUNDA ESPOSA, realizados por turcos emigrados e com grande participação criativa de europeus, costumam carregar as tintas na pintura de uma Turquia tradicionalista, de famílias opressivas e costumes arcaicos. Em A SEGUNDA ESPOSA, de Umut Dag (nascido numa famíia curda de Viena), somos lançados de chofre num casamento no interior da Turquia, logo seguido da despedida da noiva, que parte com a família do noivo para Viena. Daí em diante, somos tratados como cobaias dramatúrgicas numa história de casamento falso, bigamia consentida, paixões impossíveis, tratamento quimioterápico, homossexualidade ocultada, choques culturais e geracionais.
O trabalho das atrizes é ótimo, mas a coisa mais parece um catálogo de incômodos familiares separados por mais de 20 fade-outs do que uma peça coesa. Para sustentar um incessante e artificioso suspense dramático, o roteiro da austríaca Petra Ladinigg retarda informações, cria pistas falsas e lança mão de muitas elipses, algumas estapafúrdias, como a que introduz a morte de um membro da família. A forte relação entre a jovem Ayse e sua sogra, se constitui o eixo mais importante do filme, carece de explicação sobre suas origens, o que me impediu de assimilá-la emocionalmente. No fundo, por falta de embasamento narrativo, toda a situação descrita parece um exagero ficcional nem sempre coerente.
TUDO VAI FICAR BEM
Autor de alguns belíssimos documentários nos últimos 15 anos, Wim Wenders parece ter perdido a varinha mágica da ficção no mesmo período. Não vi “Palermo Shooting” (2008), mas de todos os demais longas seus, TUDO VAI FICAR BEM é para mim o mais fraco, talvez o pior de toda a sua carreira. Trabalhando com uma história do norueguês Bjørn Olaf Johannessen, Wenders procura em vão um caminho minimalista e interiorizado para tornar o roteiro minimamente interessante.
Um acidente na estrada, uma criança morta e vários personagens assombrados pela culpa em busca de consolo. O canastrão James Franco, com ar de quem fumou um baseado cujo efeito dura o filme inteiro, capricha no franzir do cenho para interpretar o atropelador, um escritor em crise criativa (quem ainda aguenta isso?) e amorosa. Charlotte Gainsbourgh, como a mater dolorosa, fica em cena por pouco mais de 15 minutos no total e envelhece 13 anos sem qualquer alteração física, assim como os demais personagens adultos. Os outros coadjuvantes têm menos importância do que um peso de papel na mesa do escritor.
Não duvido que Wenders, em melhor fase, conseguisse extrair leite dessa pedra mediante um estilo pessoal e um engajamento expressivo das locações, da fotografia, etc. Afinal, “Paris, Texas” era também um simplérrima história de culpa familiar. O problema é que as cenas se sucedem, numa estrutura fragmentada, sem que nada impregne a tela. O filme é apenas macambúzio e artificialmente desdramatizado, um rascunho do que poderia ser a rede de relações capaz de se estabelecer entre pessoas ligadas por uma tragédia.
Quando o clima de thriller se instala, perto do final, é somente uma promessa falsa, que logo vai redundar num desfecho conciliador e tão débil quanto todo o resto. A citação de “Luz em Agosto”, de Faulkner, soa tão gratuita quanto a capa de um dos livros do roteirista, “Nowhere Man”, autografada pelo personagem de Franco. O filme foi rodado em 3D, o que talvez lhe confira algum relevo, ao menos no aspecto visual.