Sobre LOLA PATER e BARREIRAS
Coloque-se no lugar de um rapaz que não vê seu pai desde a infância. Após a morte da sua mãe, você resolve procurá-lo, somente para descobrir que ele agora é Lola, professora de dança do ventre casada com uma lésbica. LOLA PATER começa por aí e avança através de observações bem interessantes sobre a inusitada situação.
O filme do diretor Nadir Moknèche, francês de origem argelina, pode ser visto como uma variação da história de “Tudo sobre Minha Mãe”, que também tinha uma Lola transgênero na figura do pai distante. Aliás, Moknèche já teve um precedente almodovariano ao escalar Carmen Maura no seu primeiro longa, “Le Harem de Mme. Osmane”. A aproximação, porém, não vai muito além da superfície.
Não há aqui qualquer ênfase nos absurdos melodramáticos nem na verve estilística de Almodóvar. LOLA PATER prima pela discrição, mesmo quando se trata de mostrar as transgressões. Resultam um drama familiar e um estudo de gênero relativamente previsíveis, mas conduzidos com delicadeza e propriedade. A origem argelina e muçulmana dos personagens não é explorada como exotismo, mas usada de maneira sutil na caracterização dos impasses do filho que, em estado de choque, precisa reconstruir a imagem do pai.
Fanny Ardant empresta seu físico avantajado e sua fisionomia angulosa a um papel desafiador para a femme par excellence do cinema francês. Por trás das posturas de “mulher construída” e dos figurinos um tanto extravagantes, ela deixa transparecer o que seria a essência masculina de Farid Chekib. Fanny é uma boa razão, mas não a única, para apreciar LOLA PATER.
Enquanto “Lola Pater” ostenta Fanny Ardant no elenco, BARREIRAS destaca Isabelle Huppert. Mas não espere muito dessa escalação, pois Isabelle está ausente da tela em cerca de 90% do filme. Quem está à frente é sua filha (real e ficcional) Lolita Chammah, cuja semelhança com Isabelle jovem é impressionante. Lolita faz uma mulher com algum desajuste mental no passado tentando se reaproximar da filha (Themis Pauwels), que foi criada pela avó. Para vencer a oposição da mãe e a rejeição da filha, ela praticamente sequestra a menina para um chalé no campo luxemburguês.
O título do filme de Laura Schroeder se refere aos impedimentos que bloqueiam a afetividade entre as duas mães e suas respectivas filhas. A questão da maternidade é posta em vários níveis. No caso de Lolita, pelo desejo desajeitado de reconquista, ora pela cumplicidade e os cuidados, ora pela possessividade e a chantagem. Já quanto a Isabelle, verifica-se uma recusa drástica. A síndrome se estende até mesmo à relação da menina com uma boneca de cabelo verde.
Para o espectador fica a expectativa de compreender o que se passou entre as três gerações, coisa que – é bom dizer – termina em relativa frustração. Não sei se por excesso de compostura ou simples fragilidade dramatúrgica, as interrogações semeadas ao longo das muitas conversas não produzem maior interesse, nem levam a grandes descobertas. As personagens permanecem rascunhadas até o fim, enquanto clichês melodramáticos como cartas escondidas e criança em falso perigo comparecem nas horas esperadas. Um punhado de canções em inglês tentam injetar a emoção que a história não consegue provocar. Nem Isabelle Huppert, no seu pequeno papel, é capaz de vencer essas barreiras.
Procure saber com o José Geraldo Couto como ele tem acesso aos filmes aí.
Sem suas excelentes críticas, não saberia da existência de ótimos filmes que não chegam em Florianópolis. Literalmente ilhado.