DOGMAN e QUERIDO MENINO
Além do prêmio de melhor ator para Marcello Fonte, o último Festival de Cannes concedeu também uma Palm Dog para o elenco canino de DOGMAN. Esse prêmio alternativo é conferido desde 2001 para a melhor interpreta-cão (desculpem!) do festival. Mas no caso do novo filme de Matteo Garrone, a distinção tem um sentido mais amplo, já que toda a dramaturgia lança mão dos cães como metáfora.
Marcello, o humilde e fraco dono de uma pet shop em trecho inóspito da periferia de Roma, é ele próprio um cão submisso e lambedor do brutamontes Simone (Edoardo Pesce). Este, por sua vez, é o pitbull do bairro, onde extorque, espanca e espalha o terror na vizinhança. Um misto de medo e fascinação move Marcello em direção a Simone na rota do tráfico de cocaína, dos roubos e da violência.
Qualquer sinopse de DOGMAN adianta o seu mote principal: a vingança. Uma revanche na qual, mais uma vez, a condição canina será mobilizada. Dois terços da duração do filme se passam na lenta e gradualíssima preparação da virada de Marcello contra seu opressor. A mim pareceu tempo demais e assunto de menos. O roteiro se baseia num fato verídico e se esgota no simples acionamento de um mecanismo de catarse.
Há incongruências na intervenção da polícia e na facilidade com que o vilão cai na cilada final. Em compensação, o estilo seco, duro e ainda assim poético de Garrone (Gomorra, Reality, O Conto dos Contos) sustenta o interesse na maior parte do tempo. Mas o magnetismo se impõe principalmente através das atuações memoráveis de Marcello Fonte e Edoardo Pesce. É bem verdade que boa parte do talento deles parece vir das características físicas, tão adequadas aos papéis de um pequeno cão espavorido e servil, e de uma fera rosnante.
DOGMAN passou bem perto de ser um pequeno estudo sobre a fronteira da covardia com a dignidade. Faltou um ar de grandeza que o projetasse para além da lógica do revide.
QUERIDO MENINO se baseia nos livros de Nic Sheff e de seu pai, David Sheff. Um dos problemas do filme acaba sendo essa intenção de contemplar os dois pontos de vista, sem que nenhum dos dois dê conta da subjetividade do personagem. Além disso, é de se convir que essa história de um garoto viciado em drogas e o calvário de seu pai para tentar ajudá-lo não traz qualquer insight novo sobre um tema já bastante explorado.
As tentativas de conferir agilidade a uma narrativa extremamente convencional mediante o embaralhamento de tempos parecem artificiais e desnecessárias. Assim, o filme de Felix van Groeningen se apoia somente na boa execução técnica e no desempenho preciso do elenco. Timothée Chalamet usa muito bem a fragilidade física e os recursos corporais e faciais para exprimir a angústia e a ansiedade do drogado. Steve Carell, cada vez mais convincente em papéis dramáticos, não fica atrás.
O título original, “Beautiful Boy”, refere-se à canção que John Lennon compôs para seu filho Sean. Entre a ternura de Lennon e as palavras rascantes de Bukowski – cujo poema é dito por Chalamet durante os créditos finais –, QUERIDO MENINO escolheu o caminho do meio. Não é uma coisa nem outra.
P.S. Os tempos não estão bons para garotos americanos brancos em apuros. Assim como QUERIDO MENINO decepcionou nas bilheterias, outro exemplar do gênero naufragou ainda mais clamorosamente. Foi Ben is Back, de Peter Hedges, em que seu filho, Lucas Hedges, vive menino recém-saído de uma clínica de reabilitação e sacode a vida da mãe, interpretada por Julia Roberts.