RECIFE/SEVILHA: JOÃO CABRAL DE MELO NETO no RecineEsse belo filme de Bebeto Abrantes passou como um cometa pelas telas do país em 2003. Foi exibido somente em festivais e num canal de TV por assinatura. Ganhou prêmios e angariou admiração entusiasmada. Ainda assim, é muito menos do que faria jus a esse belo trabalho de convergência de linguagens. O filme volta a ser destaque no Recine – Festival de Cinema de Arquivo em comemoração do centenário de João Cabral de Melo Neto.
Disse o poeta João Cabral que gostaria de ter sido cineasta. Porque nos dois ofícios se trabalha com a imagem. Esse pequeno trecho de sua última entrevista, concedida em 1999 a Bebeto Abrantes, parece nortear toda a narrativa de Recife/Sevilha: João Cabral de Melo Neto. O documentário agarra com sofreguidão cada oportunidade de verter o verbo em coisa audiovisual pela fotografia de Batman Zavareze. Até os depoimentos de poetas e intelectuais (brasileiros e espanhóis) sobre Cabral são entrecortados pela pulsão rítmica da música e das imagens.
Nos antípodas do ressecamento promovido por um Eduardo Coutinho em seus documentários, Abrantes faz largo uso de efeitos digitais, bravuras de edição (a cargo de Marcelo Rodrigues) e uma trilha musical intensa. Seu filme é uma construção assumida – e bem-sucedida. Tudo converge para a sensação de concretude que preside a poesia de Cabral. A música de cordas que ouvimos, assim como o flamenco, estão mais próximos da percussão que da melodia. Da mesma forma, os elementos visuais, tributários da videoarte, mostram pessoas, lugares e objetos em fuga permanente, imagens puras e duras sem conotações afetadamente poéticas. A belíssima seqüência das aspirinas é exemplar de uma busca de ícones concretos para cobrir grandes significados na vida e na obra do poeta.
A discussão central do documentário, deixada em aberto, é a influência que as cidades de Recife (a origem, a memória) e Sevilha (a paixão, o exílio) tiveram sobre a poesia de João Cabral. Depoimentos levemente contraditórios como o da filha Inês Cabral e do biógrafo José Castello ajudam a perceber a possível distância entre a condição real do homem e as fantasias que ele erigiu em torno de si. “A vida de um poeta não é feita só de verdades”, complementa o colega Ledo Ivo. De outra parte, pintores, poetas e intelectuais espanhóis dimensionam a importância da passagem do poeta brasileiro pela Espanha – o que não foi pouca coisa.
Uma profusão de filmetes domésticos, verdadeiras preciosidades, completa a riqueza de materiais de Recife/Sevilha. Importante como revelação e apetitoso como exercício de linguagem, o filme de Bebeto Abrantes, desde seu aparecimento há 17 anos, entrou para o rol dos excelentes perfis documentais produzidos no Brasil.
O filme pode ser visto no link abaixo. No sábado, dia 22, Bebeto Abrantes vai comentá-lo numa live no canal Vertentes do Cinema do Youtube às 18h.
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