A explosão poética de Patricia NiederMaya

Fotos: Fabricio Duque

Patricia Niedermeier é uma atriz e dançarina de forte presença cênica, que não costuma se amoldar a seus personagens, mas trabalhar numa linha difusa entre eles e si mesma. Em Maya, peça em cartaz aos sábados no saguão do Estação Net Rio, ela encontra material adequado a sua forma de atuar. Está intensa como sempre, mas visceral como nunca. Impressiona sua entrega física a essa evocação de Maya Deren, a cineasta, fotógrafa, dançarina e teórica que marcou o cinema underground estadunidense nos anos 1940.

A partir de texto de Joaquim Vicente, autor de Uma Peça Para Fellini, Patricia e Cavi Borges criaram um dispositivo de peça-filme (mais peça que filme dessa vez) em que a atriz transita entre duas dimensões de representação. Assim como Maya Deren se partia em várias identidades em curtas como Meshes of the Afternoon e At Land, Patricia ora é Maya em primeira pessoa, ora é Patricia falando de Maya ou quiçá de si mesma. Um jogo de espelhos, já que o espelho é um dos ícones da poética visual de Deren.

O espelho e o cinema eram, para Maya, portais entre a subjetividade e o mundo objetivo. A montagem cinematográfica lhe abria portas para flutuar livremente entre várias camadas de tempo e espaço. É possível entender isso vendo seus curtas surrealistas, intrigantes e poéticos, quase todos disponíveis no Youtube.

Patricia traz a relativamente comedida Maya para o seu diapasão mais impetuoso. Enfatiza a dança, que estava no substrato dos filmes de Deren. Mesmo quando não tratavam especificamente de dança, havia dança nos próprios movimentos da atriz Maya e ainda na “coreografia” dos espaços e tempos que se aproximavam através da montagem, do slow motion e de outros recursos que ela usava de modo pioneiro.

Um dos momentos mais bonitos do curto espetáculo (cerca de 40 minutos) é o uso de uma lanterna para projetar na tela vazia aquilo que seria a essência mais pura do cinema: luz e sombra. Ali, mais ainda do que nas cenas em que Patricia performa diante das imagens de filmes de Maya, temos a tradução vital do cinema dereniano: a mulher, a luz e o movimento.

Embora não seja uma abordagem estritamente biográfica, a peça se refere às origens de Maya Deren como Eleonora Derenkowska na Ucrânia (então parte da República Russa), à breve carreira na cena alternativa de Hollywood, à experiência com o filme etnográfico no Haiti e à sua morte precoce aos 44 anos, em 1961.

Maya foi pioneira não somente na estética do sonho e na deriva dramática dos corpos, mas também criando formas novas de produzir e exibir seus filmes e de outros cineastas underground de seu tempo. Antecipou, de certa forma, a produção independente.

Maya contempla essa perspectiva quando Patricia Niedermeier faz uma ponte clara entre passado e presente do cinema. Como sobreviver financeiramente numa arte cara e que envolve muita técnica? Maya Deren é uma das grandes inspirações das cineastas mulheres que lhe sucederam, muitas delas mencionadas na coda do espetáculo. Assim, do fundo de seu fervor e de sua identificação com Maya, Patricia fala ali por todo um cinema do feminino e da poesia.

As cineastas pioneiras são objeto também de uma pequena exposição montada na lojinha do Estação Net Rio, bem como de uma mostra de filmes e um ciclo de masterclasses que vêm por aí.

>> Maya está em cartaz aos sábados, às 21h30, no Estação Net Rio. 

2 comentários sobre “A explosão poética de Patricia NiederMaya

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s