O cinema homenageia Walter Carvalho

O homenageado pelos profissionais de som e imagem na Semana ABC 2023 foi o diretor de fotografia, fotógrafo e diretor de filmes Walter Carvalho. Eu tive a honra de ser convidado para redigir o texto da homenagem, que foi lido na cerimônia pelo ator Leonardo Medeiros. Publico aqui a versão inicial, que depois foi editada em função do tempo disponível para sua leitura no palco da Cinemateca Brasileira. Depois de ouvi-lo, Walter pediu uma cópia a fim de, com ele, “pedir aumento aonde eu for”. 

Nosso homenageado deste ano é alguém para quem a imagem não tem mais segredos. Porque ele já os desvendou a todos, virou cada um pelo avesso e os transformou em beleza. Basta ver sua trajetória na fotografia, no cinema e na televisão nos últimos 52 anos.

Nosso homenageado deste ano é um criador inquieto, que não se acomoda em uma só posição ou em um só suporte. Ele tem fome de arte, tanto para produzir, quanto para estudar e consumir. Ação e pensamento andam juntos no seu trabalho, indissociáveis como o olho e a câmera, a lente e o mundo à sua frente.

Nosso homenageado deste ano é Walter Carvalho, nome que automaticamente associamos a algumas das mais belas imagens do audiovisual brasileiro.

Walter é um dos muitos e grandes presentes que a Paraíba já deu ao Brasil. Ele chegou ao cinema pelas mãos de outra dádiva paraibana, seu irmão Vladimir Carvalho. Quando voltamos às paragens do País de São Saruê, lá encontramos o jovem Walter, máquina em punho, posando de fotógrafo numa sequência mista de documentário e ficção. Esse é um papel que ele jamais abandonou.

Seja nos intervalos entre um projeto e outro, seja nas frestas entre a filmagem de uma cena e outra, Walter está flertando com as fotos fixas, imerso enfim no ato de criação solitária. A fotografia, para Walter, atua como uma espécie de alforria de todos os compromissos inerentes ao trabalho intrinsecamente coletivo do cinema. A observação é de João Moreira Salles, seu parceiro em Entreatos e Santiago.

Tudo é visceral na atitude de Walter Carvalho perante as coisas que fotografa e filma. Ele mesmo já disse que fotografa para guardar, para fazer com que aquilo que está desaparecendo continue existindo. Muitas vezes, leva consigo o objeto fotografado para conservá-lo junto a sua reprodução fotográfica. Certa feita, não conseguindo arrancar uma parede pintada pela chuva numa ruína nordestina, ele voltou lá e realizou uma pintura idêntica ao lado, como que invertendo a mão de sua coleta. Esse lindo gesto está no seu curta Caruatá.

Fazer um filme e viver são a mesma coisa, já disse Walter. É isso o que ele imprime como diretor de fotografia. É isso o que a gente encontra nas modulações da imagem rumo ao Nordeste em Central do Brasil, no claro-escuro intimista de Madame Satã ou nas mil epifanias de luz de Lavoura Arcaica.

A versatilidade de seu talento o faz transitar serenamente entre modelos extremos de produção. Daí que Walter pode atender tanto às demandas sofisticadas de Julio Bressane quanto às exigências de grandes produções na televisão. Sua cinematografia pode brilhar da mesma forma num filme radical de Claudio Assis ou de Ruy Guerra e na fatura industrial de uma telenovela ou telessérie de sucesso. Aliás, a renovação que ele implementou na estética da televisão brasileira é fato que ninguém contesta.

Mas o trabalho com as luzes e a câmera, embora o satisfaça plenamente, não era o seu horizonte final. A qualidade dos horizontes é estar sempre adiante à nossa frente. E Walter passou à realização com a segurança de quem já dominava tudo ao redor. Nos longas-metragens que ele assina como diretor está patente o seu amor e sua imensa curiosidade pela arte. São retratos de artistas seus filmes sobre Cazuza, Raul Seixas, Antonio Nóbrega, o pintor Moacir, o poeta Armando Freitas Filho, o ator Irandhir Santos e os muitos cineastas abordados em Um Filme de Cinema.

O documentário tem sido uma espécie de fio-terra que reconecta o diretor com suas origens na realidade, especialmente a realidade nordestina. Esta é uma raiz que se mescla com a antena de Walter Carvalho sempre ligada em todas as latitudes do Brasil e para além. Vem do Nordeste também o gosto pelo artesanato em madeira, que ele e Vladimir herdaram do pai, Mestre Lula. Trabalhar com as mãos é um prazer a que ele não renuncia, inclusive nas experiências com métodos alternativos e rudimentares de impressão de fotografias, como é o caso da platinotipia.

À parte esse engajamento muito corporal com as imagens projetadas, impressas ou esculpidas, o nosso homenageado é também um orador fascinante quando se trata de arte. É um grande prazer ouvi-lo desfiar seu profundo conhecimento da história da pintura e dos sentidos da produção artística, sem nunca abdicar de uma dicção poética que nos encanta e persuade.

Se for comentar essa nossa fala inicial, Walter vai com certeza contestar a primeira frase dita aqui. Vai provavelmente negar que a imagem não lhe tenha mais segredos. Num impulso de modéstia, talvez afirme que está apenas começando nesse métier. Que ainda tem muito o que desbravar.

De nossa parte, contamos com isso para continuar admirando esse colega e reconhecendo em sua arte muito daquilo a que todos nós da ABC aspiramos.

Muito obrigado, Walter!

Vejam agora o vídeo desse trecho da cerimônia:

A premiação completa está nesse link.

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