Reencontrando Ely

Em 1978, Ely Azeredo escreveu assim no Jornal do Brasil:

“Sem dúvida, A Lira do Delírio é uma celebração do gosto pelo cinema. Não estamos ante um filme-veículo, algo que serve para mera ilustração de uma história. Mais que em qualquer de seus fimes anteriores, Walter Lima Júnior demonstra ter absorvido em seus tempos de cinéfilo e crítico uma acervo de cultura cinematográfica muito ponderável, sem copiar ninguém – aquém ou além-fronteiras. Antes, talvez não lhe fosse possível driblar tanto as palavras de ordem sobre conteúdo, mensagem e formalidades desse tipo. Hoje, o chamado Brasil pragmático parece apto a aceitar, até nas esferas oficiais, um filme que se mostraria inútil ao exame dos criptólogos de qualquer ideologia”.

Eu era então um iniciante na crítica de cinema, e textos como esse reverberavam no meu aprendizado. Um filme era bem mais que um filme, mas algo que obrigatoriamente se relacionava com o mundo do cinema e o mundo ao seu redor. Na época eu tinha dois gurus à mão nas páginas do JB: José Carlos Avellar, com seus textos “para dentro”, construindo sentidos a partir da estrutura das cenas; e Ely Azeredo, com seus textos “para fora”, projetando os filmes no firmamento do cinema e do seu tempo. Não sei qual dos dois me impressionava mais.

Quando comecei, na Tribuna da Imprensa, orgulhava-me de ali ter começado também Ely sua carreira profissional, e em cujas páginas ele cunhou a expressão “Cinema Novo”. Amanhã, terça-feira, vou ao lançamento do livro Olhar Crítico – 50 Anos de Cinema Brasileiro, na condição de colega e amigo de Ely. Vai ser na livraria Travessa do Shopping Leblon, a partir das 19 horas.

O livro, editado pelo Instituto Moreira Salles, traz uma seleta de resenhas e artigos do autor entre 1953 (O Cangaceiro) e 2003 (Carandiru). De uma ponta à outra, são textos desabridos, francamente opinativos, construídos com a fluência e elegância que sempre admirei. Na introdução e no capítulo “Trajetória do autor”, fica patente a inserção de Ely para muito além do dia-a-dia jornalístico. A implantação do primeiro circuito de cinemas de arte, a criação da revista Filme Cultura – que ressurge agora com minha modesta participação – e a idealização do primeiro Concurso Nacional de Roteiros, em 1975, são apenas algumas das iniciativas pelas quais o crítico se estabeleceu como articulador e animador da cultura cinematográfica no Brasil.

Uma trajetória inspiradora, sem dúvida, que só realça a falta que Ely Azeredo faz hoje, limitado a esporádicas aparições nos limites do Bonequinho de O Globo. Esse livro restaura um mínimo de sua importância.                          

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