(Texto publicado originalmente durante o Festival do Rio)
A Pele que Habito me dá a nítida impressão de que Almodóvar realmente mudou de pele com o passar dos anos. Depois da fase transgressora e “suja” dos anos 1980, a partir de Carne Trêmula ele se transmutou num elegante contador de histórias absurdas, mas ainda trabalhando o kitsch do melodrama a seu favor. Ultimamente, daquilo tudo parece ter ficado apenas um formalismo cada vez mais pomposo, enquanto o kitsch passa a controlar o diretor, ao invés do contrário.
Vejo Almodóvar como o cirurgião plástico vivido por Antonio Banderas. Preocupado sobretudo com a excelência das formas, acaba perdendo o pulso do que vai na psique de sua criatura. Na maior parte das cenas, tive a impressão de estar vendo uma série de anúncios publicitários longinquamente inspirados em Almodóvar. A exceção é quando a ênfase no requinte formal dá lugar à franca vulgaridade, como em todas as estranhas referências ao Brasil e à língua portuguesa.
Quanto à trama, prefiro não me estender, deixando para o espectador (e meus colegas críticos) a tarefa de deslindá-la. Só não posso concordar com quem já enxergou profundidades filosóficas a respeito de identidade, gênero e reinvenção do amor. Nem me venham falar de Hitchcock ou Mary Shelley. Para mim, aquilo é apenas a paródia de velhos filmes B a Z, que misturavam na mesma coqueteleira barata a ficção científica, o terror e o romance truncado. Basta levantar um pouco a pele bem iluminada e maquiada do filme para ver o corpo cansado de um cineasta que não tem conseguido provocar entusiasmo.