Abacateiro digital

Gil e Bodanzky na tela do Skype

Transformar boas palestras em bons documentários não é tarefa fácil. A CPFL, companhia de energia sediada em Campinas e uma das patrocinadoras do É Tudo Verdade, está convidando cineastas para criar em cima dos registros de eventos patrocinados por ela. Jorge Bodanzky acaba de finalizar dois trabalhos nessa série chamada Discussões e Reflexões.

Sociologia da Crise discute os efeitos da crise financeira de 2008. Aqui, a dinâmica construída pelo roteiro não consegue eliminar uma certa aridez nem organizar as ideias de modo mais produtivo. Em compensação, Transanarquia dá uma boa impressão do que esse modelo de construção pode render.

Transanarquia é um doc de 50 minutos feito a partir de um simpósio de cibercultura realizado em Santos, em 2009. Bodanzky volta a alguns dos participantes para atualizar questões e perguntar para onde anda a internet. Mas, bem de acordo com a proposta geral, ele volta pelo Skype, em entrevistas à distância, notebook a notebook. É claro que nada muda em profundidade nessa abordagem virtualizada, mas pelo menos a superfície do filme se imanta das potencialidades do que seria hoje uma estética digital.

A imagem lowtech e a sincronia desarrumada do Skype conferem uma urgência e uma atualidade especiais às falas de Gilberto Gil e José Arbex Jr. Como sempre nesses casos, Gil é uma estrela cintilante. No simpósio, cantou baladas e raps com o tema da tecnologia e contagiou a todos com suas análises de uma certa vocação da cultura para o consumo coletivo e seu ciberotimismo em vista de um novo “comunismo sem estado” propiciado pela cultura digital. “É muito John Lennon o que vem por aí”, imaginou, com um riso cheio de fé. Na outra ponta do espectro, um outro “Gil”, o economista e sociólogo Gilson Schwartz, relativiza bastante esse entusiasmo, apontando a perda de substância e o advento de uma “iconomia”, variação da economia que se baseia em ícones das relações virtuais.

O debate é interessantíssimo e ainda não perdeu a oportunidade desde a época em que o Wikileaks dominava o noticiário. Mas a CPFL não deve demorar a fazer circular esses filmes, sob pena de suas discussões serem rapidamente superadas pelo trem-bala dessa nova cultura. Seja como for, um doc como Transanarquia resistirá pela simples cota de inteligência nele contida. Inteligência no seu melhor estado, que é a verve. O filme termina deliciosamente quando Pierre Lévy conclui sua palestra anunciatória e Gil pega o microfone para perguntar, todo candura: “Mas Pierre, e se não for assim, como será?”

Não ouvimos a resposta de Pierre, mas eu bem que gostaria de ouvir a de Gil à mesma pergunta, caso Bodanzky a tivesse feito no seu Skype.

2 comentários sobre “Abacateiro digital

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